Festas e comemorações são temas recorrentes nos registros dos artistas viajantes que passaram pelo Brasil no século XIX. A observação da sociedade, de suas celebrações, de seus costumes e trajes era importante no trabalho desses artistas, embora o foco principal fosse outro. Eles estavam interessados em registrar a fauna, a flora e a riqueza mineral para evidenciar as potencialidades econômicas do país. Seguiam a principal lição do naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859), de que tudo está interligado: fauna, flora, clima, posição geográfica eram alguns aspectos determinantes do tipo de sociedade que se desenvolvia naquele lugar.
Jean-Baptiste Debret dedicou alguns capítulos de seu livro Voyage Pittoresque et Historique au Brésil [Viagem pitoresca e histórica ao Brasil] aos festejos brasileiros. Na imagem acima, intitulada Cena de Carnaval, Debret registra uma brincadeira comum entre as camadas populares no Rio de Janeiro, que era a de jogar água e farinha de trigo nas pessoas, para torná-las “brancas”. Na litografia, também há, junto à porta, um jovem mexendo em um tabuleiro com limões (ou laranjas) de cheiro: bolas de cera com água perfumada que as pessoas jogavam umas nas outras. A obra é uma típica cena de carnaval carioca do início do século XIX, com jogos dos quais até a família imperial participava. Somente a partir de 1840 o carnaval ficou mais parecido com o que é hoje, com desfiles de rua embalados por música, fantasias e máscaras, além de bailes em locais fechados para a elite.
O carnaval era só uma das celebrações do calendário brasileiro oitocentista. As cidades eram tomadas por festejos o ano todo. Nas festas cívicas e nos aniversários oficiais, os soberanos portugueses e a família imperial lideravam a comemoração. Já em algumas celebrações religiosas, os mais pobres e os escravos eram os protagonistas nas ruas e igrejas com congadas, cavalhadas, batuques e procissões.
No relato dos viajantes, é possível observar que o sincretismo já se manifestava. Na festa em homenagem à Nossa Senhora do Rosário, era comum que os negros realizassem rituais da cultura africana, como a coroação do Rei do Congo. As irmandades do “Rosário dos Pretos”, como eram chamadas, eram exclusivas dos escravos. Já no dia de São Jorge, Ogum, orixá da mitologia iorubá, passou a ser comemorado pelos negros no Rio de Janeiro.
Alguns instrumentos musicais aparecem frequentemente nos registros dos artistas viajantes: o violão, o berimbau, o aguê ou piano de cuia, como passou a ser conhecido por aqui, e a marimba. Sobre ela, Debret escreveu: “Os negros de Angola devem ser citados como os mais musicistas e são sobretudo notáveis pelos instrumentos que fabricam, entre eles a marimba, ou viola de Angola, espécie de lira de quatro cordas. (...) A marimba, espécie de harmônica, feita de lâminas de ferro fixadas sobre um pedaço de madeira, e presas por um cavalete. Cada uma das lâminas vibra à pressão do polegar do músico, que as dobra, produzindo um som harmonioso quando voltam ao lugar”.
Nas festas de rua foram criados gêneros musicais, como o lundu, derivado do batuque africano. Em relação ao batuque, o pintor alemão Johann Moritz Rugendas fez um relato que resume a visão dos estrangeiros sobre as festas populares brasileiras. No livro Voyage Pittoresque et Historique au Brésil [Viagem pitoresca e histórica ao Brasil], Rugendas caracterizou o batuque como uma dança habitual do negro: “Apenas se reúnem alguns negros e logo se ouve a batida cadenciada das mãos. É o sinal de chamada e de provocação à dança” que, segundo ele, “consiste em certos movimentos do corpo que talvez pareçam demasiado expressivos, são principalmente as ancas que se agitam enquanto o dançarino faz estalar a língua e os dedos, acompanhando um canto monótono, os outros fazem círculo em volta dele e repetem o refrão”.
Os registros dos artistas estrangeiros são importantes para a historiografia e a sociologia brasileiras. Porém, vale lembrar que os relatos foram feitos com base em referências europeias da época, ou seja, a mistura da culura brasileira não foi necessariamente entendida, naquele momento, como positiva. Também é comum encontrar nesses relatos descrições do povo brasileiro como alegre e sempre disposto a se divertir, o que evidencia a construção de um estereótipo do qual não conseguimos nos livrar até hoje.