Ao analisarmos registros feitos por artistas viajantes que integram o acervo da Brasiliana Iconográfica, é possível reconhecer personagens que se repetem em obras de diferentes autores. Para compor uma cena ou paisagem, esses estrangeiros faziam referência a desenhos e relatos de outros artistas e chegavam a copiá-los.
A observação direta nem sempre era praticada, pois as viagens eram caras, e os lugares, distantes entre si. Assim, era comum desenhar cenas, lugares e pessoas jamais vistos pessoalmente, embasados por registros de terceiros. A prática, que hoje pode ser considerada plágio, era bastante utilizada no século XIX para ampliar o conteúdo dos livros dos artistas viajantes. Tais obras pretendiam mostrar, de forma abrangente, a paisagem, a sociedade e a economia dos locais por onde os artistas passavam. O francês Jean-Baptiste Debret, por exemplo, ilustrou um grupo de índios da missão de São José, que ele não presenciou. Tudo indica que ele usou como base imagens de índios norte-americanos feitas pelo naturalista Georg Heinrich von Langsdorff que registrou, em 1812, uma missão de São José na Nova Califórnia.
Debret também nunca esteve em Ilhéus. Mesmo assim, desenhou um assentamento de colonos europeus na cidade do sul da Bahia. Muito provavelmente, usou a gravura Vista de Ilhéus (abaixo), feita pelo príncipe Maximilian de Wied-Neuwied, como inspiração para a paisagem. A imagem de Debret, curiosamente, consta em Voyage Pittoresque dans le Brésil [Viagem Pitoresca Através do Brasil], livro de outro artista viajante, o alemão Johann Moritz Rugendas. É possível que Godefroy Engelman, editor da publicação, quisesse incluir no álbum uma obra que retratasse uma colônia europeia no Brasil, assunto extremamente relevante na época, mas que não tinha sido tema de nenhum dos desenhos de Rugendas em sua estada no país. Como alternativa, Engelman decidiu incluir no livro o registro do outro pintor.
No álbum de Rugendas também há cenas não presenciadas pelo alemão, como a dos personagens da litografia Costumes de São Paulo, cidade que ele não conheceu. Rugendas também nunca observou de perto os índios guanás e guatós, no Pantanal, nem os apiakás, na Amazônia. Acredita-se que os registros feitos dos representantes destas tribos tenham como orientação as anotações do também viajante Hercule Florence, que esteve nesses locais depois de substituir Rugendas na Expedição Langsdorff.
Henry Chamberlain é autor do álbum Views and Costumes of the City and Neighbourhood of Rio de Janeiro [Vistas e Costumes da Cidade do Rio de Janeiro e Arredores], publicado em 1821, em Londres. O pintor inglês registrou diferentes aspectos da vida cotidiana do Rio de Janeiro, onde permaneceu entre 1819 e 1820. Muitas das 36 gravuras coloridas que compõem a publicação têm personagens inspirados em figurinhas feitas pelo militar português Joaquim Cândido Guillobel que, na época, circulavam encadernadas, e que ficaram famosas pela maneira pitoresca de seus personagens. Ao que tudo indica, Chamberlain reproduziu os desenhos de Guillobel, aplicou legendas em inglês e as transpôs para suas gravuras. Ele não foi o único a se inspirar nos registros do militar português, o pintor austríaco Thomas Ender e Debret também o fizeram.
Quatro dos tipos urbanos representados na água-tinta de Chamberlain acima foram claramente inspirados nas aquarelas abaixo, cópias que o inglês fez das figurinhas de Guillobel.
Acusar Chamberlain, Rugendas ou Debret de plágio é olhar para o passado com os olhos da atualidade, ignorando as práticas de uma época em que as ilustrações de livros de viagem eram pensadas para larga circulação e como modelo para uso de outros artistas. As técnicas de gravura, em especial a litografia, permitiam a produção rápida de ilustrações e facilitavam a combinação de imagens oriundas de várias fontes numa mesma composição. Nas oficinas de gravura, existiam artistas especializados na gravação de personagens, paisagens ou animais, que nunca tinham observado pessoalmente os temas compostos. Por isso, cada gravura de livro de viagem é assinada por vários autores. Apesar de serem fontes importantes de informação sobre o passado, é necessário tomar essas imagens por aquilo que são: criações artísticas baseadas numa experiência pessoal e não documentos fiéis de uma época.