A Festa do Divino Espírito Santo é uma das mais antigas celebrações do catolicismo popular brasileiro. De origem portuguesa, a comemoração chegou ao Brasil com os colonizadores e, na primeira metade do século XIX, era uma das mais importantes do Rio de Janeiro. A festa começava logo depois da Páscoa e tinha seu auge no dia de Pentecostes (50 dias depois), porém as comemorações podiam chegar até o final de junho.
Por conta da alta popularidade, os rituais do Divino, em especial as folias, grupos que percorriam as cidades recolhendo doações, chamaram a atenção de alguns artistas estrangeiros, como o francês Jean-Baptiste Debret. Ele descreveu a tradição em suas anotações no livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil: “Chama-se, no Rio de Janeiro, Folia do Imperador do Espírito Santo uma tropa de jovens meninos, tocadores de violão, de tambor, de pandeiros, de triângulo, precedidos de um tambor. O grupo alegre acompanha um porta-bandeira, cujo chapéu, ricamente enfeitado de penas e de fitas, lembra os da tropa de músicos, também com fitas, embora mais simples”.
Os preparativos para a Festa do Divino iniciavam-se na Páscoa, quando um mastro simbólico com uma pomba no topo (representação do Espírito Santo encarnado) era erguido, e o imperador do Divino, quase sempre uma criança, era coroado. Na imagem de Debret, o menino imperador – geralmente filho de alguém de posse – aparece ao fundo. O artista descreveu o personagem: “O pequeno imperador veste casaco estilo francês de tecido escarlate bordado em ouro, calça de mesma cor e colete de seda branca bordado em cores. Carrega sobre os braços um chapéu, espada à cinta, sapatos com fivela de ouro, pó branco na pele e carrega uma bolsa. É condecorado com um crachá e, presa com colar, uma grande placa dourada na qual se destaca a pomba prateada”. No depoimento de Debret, fica evidente o cuidado com as roupas dos integrantes das folias. Outros artistas, como o inglês Henry Chamberlain, destacaram os enfeites e os detalhes das roupas em seus registros.
A bandeira do Divino era símbolo importante das folias. Estampada com uma pomba branca, era levada para dentro das casas para ser beijada e louvada por todos os moradores: ricos, pobres, brancos e negros escravizados. Essa, aliás, é uma particularidade da prática da Festa do Divino no Brasil: toda a sociedade se envolvia no festejo, muito popular entre os escravos. Alguns historiadores defendem que essa adesão deu-se pela farta distribuição de esmolas e de comida. Entretanto, outros elementos comuns entres as culturas católica e africana – um pássaro como símbolo, as cores vermelha e branca – contribuíram para que o Divino se tornasse prática regular entre os cativos.
Ao lado das igrejas eram erguidos os impérios, onde cada imperador coroado recebia homenagens, doações e visitas de autoridades. Lá também aconteciam os leilões dos produtos e objetos doados. Segundo Debret, a festa exista para “estimular a generosidade dos fiéis caridosos”, e a figura de um imperador nas ruas servia para reforçar o poder e autoridade monárquicos e legitimar a proteção aos pobres.
Além de recolher doações, as folias circulavam pelas ruas anunciando a programação das irmandades (novenas, missas, sermões), tocando instrumentos musicais, dançando e cantando cantigas. Músicos barbeiros, africanos livres ou escravizados, acompanhavam os grupos tocando tambores e fazendo batuques.
Com o tempo, a festa, de origem sagrada, ganhou traços profanos. Barracas de comida e de bebida dividiam espaço nas ruas com cavalhadas, touradas, congadas e foguetórios. No final do século XIX, o Divino chegou a ser considerado, pelos padres mais ortodoxos, uma festa de excessos e abuso de fé.
A Festa do Divino Espírito Santo ainda é comemorada em cidades brasileiras como Paraty, Pirenópolis, Mogi das Cruzes e São Luiz do Paraitinga. A bandeira, a pomba e o mastro são usados nos festejos, que hoje tem caráter mais folclórico e menos religioso.