A equipe Brasiliana Iconográfica lamenta profundamente a perda de grande parte do acervo do Museu Nacional, destruído por um terrível incêndio. Para homenagear a primeira instituição museológica e de pesquisa do Brasil, na qual nos inspiramos diariamente e com a qual compartilhamos muitos temas de interesse, selecionamos alguns registros do Palácio de São Cristóvão, construção que abriga o Museu, vinculada à história política, científica e artística do nosso país.
Antes de se tornar a moradia da família real portuguesa, o palácio foi casa de campo do comerciante luso-libanês Elie Antun Lubbus (ou Elias Antônio Lopes), que a ofereceu a d. João quando a corte chegou ao Brasil. A chácara tinha uma vista privilegiada: de um lado, via-se a baía de Guanabara; de outro, a floresta da Tijuca e o Corcovado, motivo do nome Quinta da Boa Vista.
Na gravura de Jean-Baptiste Debret, é possível observar como o casarão se encontrava quando a família real se instalou no local e como ele se transformou ao longo dos anos. As primeiras reformas foram inspiradas no Palácio Nacional da Ajuda, de Lisboa. Mais tarde, por ocasião do casamento de d. Pedro com d. Leopoldina, o torreão norte foi construído. Em seguida, na entrada da propriedade, foi instalado o portão que podemos ver com mais detalhes no registro de Debret de 1822. Inspirado no pórtico da Sion House, de Londres, o portão foi um presente do duque de Northumberland e hoje está na entrada do Jardim Zoológico, também na Quinta da Boa Vista.
Na gravura de Thomas Ender, vemos o palácio de São Cristóvão ao fundo e, no primeiro plano, d. Pedro e d. Leopoldina passeando, escoltados por oficiais enquanto dois escravizados se ajoelham. Ainda durante o império de d. Pedro I, um segundo torreão ao sul foi construído em estilo neoclássico, bem como a escada semicircular, que podem ser vistos no registro atribuído a Karl Robert von Planitz.
No segundo império, várias obras foram realizadas, entre elas, a construção do Observatório Astronômico do imperador d. Pedro II. Nessa época, a Quinta da Boa Vista ganhou linhas neoclássicas mais fortes que podem ser vistas até hoje, atribuídas a projetos de Manuel de Araújo Porto-Alegre.
Com a proclamação da República, em 1889, a família imperial foi banida do Brasil e o Paço de São Cristóvão abrigou os trabalhos da 1ª Assembleia Constituinte até 1891. O prédio foi bastante descaracterizado e teve seus pertences leiloados.
De palácio imperial a instituição científica
Um ano depois da Constituinte, o Palácio de São Cristóvão recebeu as coleções do Museu Nacional – que já funcionava no Campo de Sant’Anna, hoje Praça da República –, quando o prédio sofreu mais alterações para abrigar a instituição científica. O Museu Nacional teve origem no antigo Museu Real, fundado por d. João VI, em 1818, com o objetivo de incentivar o conhecimento e o estudo das ciências naturais pelo Brasil.
Ainda que o Palácio tenha recebido o acervo do Museu Nacional depois da expulsão da família real portuguesa, boa parte do que integrava sua coleção na época tinha sido resultado dos esforços da corte. Destacam-se espécies geológicas, mineralógicas e zoológicas, recolhidas por diferentes naturalistas estrangeiros que passaram a viajar pelo país depois da abertura dos portos. A imperatriz Leopoldina também reorganizou e ordenou as coleções da Casa de História Natural, ou Casa dos Pássaros, cujo acervo deu origem ao Museu Nacional. Além disso, a maior coleção egípcia da América Latina que compunha o acervo pertenceu a Pedro I e Pedro II, e a imperatriz Teresa Cristina foi responsável pela formação da Coleção de Arqueologia Clássica, o mais importante acervo greco-romano da América do Sul.
A partir do segundo império, as expedições científicas brasileiras ficaram mais constantes, e o Museu Nacional cumpria o papel de abrigar o inventário das viagens e viabilizar as pesquisas. Parte do acervo coletado pela primeira expedição científica totalmente brasileira, a Comissão Científica Exploratória das Províncias do Norte, de 1859, estava guardado no Museu Nacional. Provavelmente, o resultado dos dois anos e meio de viagem pelo sertão cearense perdeu-se no incêndio. A Viagem Filosófica, uma das mais importantes expedições brasileiras e a mais longa, com quase dez anos de duração, também tinha parte do acervo depositado no Museu.
Aos longo de 200 anos de existência, de incentivo à pesquisa, cultura e educação, o acervo aumentou exponencialmente por meio de coletas, escavações, permutas, aquisições e doações. As importantes coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia transformaram o Palácio de São Cristóvão num mantenedor do patrimônio cultural e histórico do Brasil e do mundo.
Apesar dessa perda inestimável de memória, esperamos que o Museu Nacional renasça e continue a inspirar as entidades de pesquisa no país.