A Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, no Rio de Janeiro, foi uma das construções religiosas mais registradas por artistas durante o século XIX, tanto nos desenhos e pinturas como nos relatos de viagem. Mesmo antes da chegada dos europeus, o outeiro já servia como referência aos índios tupinambás, primeiros ocupantes da região.
Situado num ponto estratégico, de onde se pode ver toda a baía de Guanabara e o centro da cidade, o morro da Glória foi um importante local de observação artística e militar. Há registros de que a pequena guarita da igreja, até hoje ao lado da torre, era o local de abrigo para o sentinela que vigiava a entrada da baía contra possíveis invasores. Na vista de Johann Moritz Rugendas, tomada a partir da igreja, conseguimos ver parte desta paisagem: ao fundo está a enseada da praia da Glória, a rua da Glória, o Aqueduto da Carioca e o Morro do Castelo.
Inaugurada em 1739 com projeto do tenente-coronel português José Cardoso Ramalho, a igreja foi construída fora dos limites da cidade. Assim como o Mosteiro de São Bento, ela é responsável pelo início da urbanização da região onde foi instalada, que hoje compreende o bairro da Glória e o aterro do Flamengo.
Depois da vinda da família real ao Brasil, em 1808, o Outeiro da Glória ganhou ainda mais importância. Leopoldina encantou-se pela igreja e tornou-se devota da santa. A imperatriz fazia frequentes visitas ao templo e batizou sua primeira filha com d. Pedro I de Maria da Glória. Pedro II, também filho do casal, concedeu à irmandade da igreja o título de “imperial”. Desde então, todos os descendentes da família real já nascem membros da irmandade. O brasão dos Orleans e Bragança, inclusive, está entalhado no alto do arco-cruzeiro da igreja.
O desenho abaixo é do austríaco Franz Joseph Frühbeck, um dos integrantes da comitiva pessoal que acompanhou a chegada de Leopoldina ao Brasil em 1817. No registro, vemos que o mar chegava bem perto da igreja, situação que mudou drasticamente no século XX, depois da construção de aterros.
Considerada hoje como um dos maiores patrimônios da arquitetura colonial e religiosa do Brasil, a Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro foi declarada Monumento Nacional em 1937 e, no ano seguinte, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O conjunto de azulejos portugueses encontrados dentro do templo foi produzido entre 1735 e 1745 e está presente na nave, na capela-mor, na sacristia, nos corredores e no coro alto da igreja. Inspiradas no Cântico dos cânticos, as mais de 8 mil peças compreendem um dos acervos de azulejos mais bem preservados do país.
Na litografia de Ernest Jaime, feita com base na fotografia de Victor Frond, vemos no pé do morro o antigo mercado da Glória. Construído em 1858 (e demolido em 1903 para dar espaço a um jardim), foi uma das primeiras intervenções arquitetônicas na paisagem local. Anos mais tarde, em 1922, o cenário também foi marcado pela construção do Hotel Glória, do arquiteto Joseph Gire, o mesmo que projetou o Copacabana Palace. Construído para festas do Centenário da Independência, foi um hotel de luxo por décadas estando hoje em estado de abandono.
Nos anos 1960, durante a programação das festividades dos 400 anos do Rio de Janeiro, Lúcio Costa projetou rampas de acesso à igreja, intercaladas por terraços. O objetivo era frear a urbanização desordenada que impediria a visão da igreja da Glória. Hoje, a falta de poda das plantas da rampa acabou por interferir no projeto do arquiteto, e as copas das árvores impedem a vista de alguns pontos de observação.