Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), no século XVI, a população indígena no Brasil variava entre 2 e 4 milhões de pessoas pertencentes a mais de mil povos diferentes. No último censo, de 2010, foram mapeados cerca de 250 povos - alguns com menos de 10 representantes - que somavam quase 900 mil pessoas. Conforme alertou o antropólogo Darcy Ribeiro nos anos 1970, mais de 80 povos indígenas desapareceram somente na primeira metade do século XX.
Nesse sentido, os registros iconográficos e publicações que têm origem nas expedições científicas realizadas ao território brasileiro ao longo do século XIX compõem um acervo de importância fundamental para a pesquisa sobre os povos e culturas indígenas já extintos ou quase desaparecidos, como é o caso dos Botocudos.
O príncipe alemão Maximilian zu Wied-Neuwied empreendeu a primeira expedição científica a terras brasileiras após a abertura dos portos em 1808. Sob influência dos escritos do naturalista Alexander von Humboldt e do cientista Johann Friedrich Blumenbach (criador da teoria racial baseada na descrição dos crânios humanos), Neuwied coletou, entre 1815 e 1817, extenso material etnográfico e produziu centenas de desenhos e anotações que demonstram seu especial interesse pelas populações nativas do Brasil. Com o botânico Friedrich Sellow e o ornitólogo Georg Wilhelm Freyriss, Wied-Neuwied viajou do Rio de Janeiro ao sul da Bahia, passando pelo Espírito Santo e pelo norte mineiro em busca de contato com povos indígenas que ainda viviam bastante isolados.
Ao retornar para a Europa, Wied-Neuwied publicou Reise nach Brasilien in den Jahren 1815 bis 1817 [Viagem ao Brasil nos anos de 1815 a 1817]. Lançado em dois volumes, o livro, que está completando 200 anos, é considerado o pioneiro dos estudos etnológicos que seriam realizados no Brasil nos anos seguintes. A publicação é a primeira a tratar de contatos diretos com os Botocudos, assim chamados pelos colonizadores europeus devido ao uso dos botoques nos lábios e orelhas. No relato, o príncipe descreve os hábitos indígenas, seu modo de viver em sociedade, faz anotações sobre suas atribuições físicas, rituais, uso do botoque, o corte de cabelo, as pinturas do corpo, utensílios, língua e habitação. Em sua escrita, Wied-Neuwied teve auxílio, inclusive, de Quack, jovem representante do grupo indígena que foi levado pelo cientista alemão para a Europa. A coleção da Fundação Robert Bosch, em Stuttgart, Alemanha, conserva os desenhos originais de Wied-Neuwied realizados durante a viagem, bem como retratos do príncipe e de Quack.
Os registros de Wied-Neuwied contribuíram para suavizar a imagem dos Botocudos, um dos grupos indígenas mais temidos na literatura de viagem. Desde os primeiros contatos com os europeus, ainda no século XVI, eram acusados de antropofagia, o que não se confirmou até hoje. Mas essa suposta violência sempre foi o argumento para justificar a guerra travada contra esse povo, que, no início do século XX, já estava praticamente extinto.
Hoje a população dos Botocudos está reduzida a menos de 500 pessoas, sendo composta, na sua maioria, por descendentes de relações interétnicas entre os Krenak - seus parentes sobreviventes mais próximos - com outros grupos indígenas e com a população regional. Localizam-se na margem esquerda do rio Doce, em Minas Gerais, numa reserva criada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão criado em 1910 e que foi substituído, em 1967, pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A sobrevivência dos descendentes dos Botocudos ficou ainda mais ameaçada em 2015, depois do rompimento da barragem de resíduos de minério em Mariana, já que a lama tóxica comprometeu a pesca e a caça praticadas por eles.