Um dos prédios mais icônicos do Rio de Janeiro, a Igreja de Nossa Senhora da Candelária, no centro da cidade, não nasceu como o projeto monumental que é hoje. Seu início, ao contrário, é bem singelo: uma primeira versão do edifício foi uma pequena capela erguida no início do século XVII como pagamento de promessa de um casal espanhol que teria sobrevivido a um naufrágio na travessia pelo Atlântico. A devoção a Nossa Senhora da Candelária é, aliás, originária das Ilhas Canárias, na Espanha, e o episódio do naufrágio e do pagamento da promessa está hoje representado nas pinturas decorativas que se encontram no interior da igreja. Entretanto, os registros oficiais sobre a existência da Candelária aparecem somente a partir dos anos 1710, quando foi realizada uma primeira reforma na pequena igreja. Anos mais tarde, na segunda metade do século XVIII, o engenheiro militar português Francisco João Roscio desenhou um novo projeto para ampliar a edificação, que ganhou uma planta em forma de cruz latina. As obras começaram em 1775, ano considerado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) marco inicial da construção da igreja.
Ainda em obras, a Candelária teve sua primeira missa celebrada em 1811, com a presença do então príncipe regente d. João VI e de outros membros da família real. A igreja contava a nave e os altares esculpidos por Mestre Valentim – um dos mais famosos artífices do período colonial no Rio de Janeiro –, que foram substituídos em reformas posteriores ao longo do século XIX.
O registro acima é de Pieter Gotfred Bertichen, desenhista holandês que viveu no Brasil a partir de 1837 e reuniu diversas vistas e aspectos do Rio de Janeiro no álbum O Brasil pitoresco e monumental – o Rio de Janeiro e seus arrabaldes. Na imagem, podemos observar a fachada original de Francisco Roscio (preservada até hoje). Entretanto, a grande cúpula em pedra de lioz portuguesa que ocupa o atual teto da catedral foi instalada somente entre os anos 1856 e 1877, depois de entraves e intervenções de vários arquitetos. Nessa época também foram instaladas as oito estátuas esculpidas pelo português José Cesário de Salles.
O projeto decorativo do interior da igreja é de autoria do brasileiro Zeferino da Costa, discípulo do pintor Victor Meirelles, professor da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA). Zeferino da Costa foi escolhido por d. Pedro II para esta tarefa, que executou com ajuda de alguns de seus alunos, como Henrique Bernardelli, Oscar Pereira da Silva e Giovanni Battista Castagneto. Até o início do século XX, a Candelária recebeu ainda vitrais alemães, púlpitos em estilo art nouveau do escultor português Rodolfo Pinto do Couto e portas de bronze na entrada, obra do também português António Teixeira Lopes.
Um marco social
Com o passar dos anos, a Igreja da Candelária tornou-se não apenas um marco arquitetônico e religioso da cidade, mas um local que simboliza também questões políticas, sociais e culturais do Rio de Janeiro e do país. Em 1905, por exemplo, foi realizada na igreja a missa solene para a abertura do Terceiro Congresso Científico Latino-Americano.
Em abril de 1968, a igreja realizou, mesmo com proibição do governo militar, a missa de sétimo dia de Edson Luís de Lima Souto, considerado o primeiro estudante assassinado pela ditadura. O evento provocou confronto em frente ao templo entre polícia e estudantes, que contaram com o apoio de padres e civis.
Em julho de 1993, oito jovens em situação de rua foram executados por policiais militares nas proximidades da igreja. O episódio, conhecido como Chacina da Candelária, marcou profundamente e para sempre a história do prédio. A partir de então, o local se firmou como símbolo de resistência e de luta por direitos humanos.