Poucos foram os artistas brasileiros que registraram o interior do Estado de São Paulo ao longo do século XIX. Miguel Arcanjo Benício de Assumpção Dutra, ou Miguelzinho Dutra, como ficou conhecido, foi um deles.
Ituano e autodidata, além de pintor, foi também escultor, ourives, arquiteto, poeta, entalhador, decorador e musicista. Entre 1831 e 1855, produziu centenas de aquarelas. São registros de cidades paulistas como Guaratinguetá, Mogi das Cruzes, Taubaté, Itu, Jundiaí, Itatiba e Pindamonhangaba, parte deles pertencente ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo e disponível aqui na Brasiliana Iconográfica.
Dutra pintava o que via: igrejas, fazendas, lavouras, cenas da vida provinciana. “Vivia no interior e não tinha acesso aos produtos de pintura, por isso, sua paleta era reduzida. Usava sempre o azul para as árvores, matas e águas; tons ocres e castanhos para as construções e outros detalhes. Raramente aparecia o vermelho e, mais dificilmente, o verde. Como ele mesmo preparava suas tintas, é de admirar seu bom estado e o fato de não terem perdido a intensidade da cor”, explica a artista plástica Ruth Sprung Tarasantchi em Obras desconhecidas de Miguelzinho Dutra. “A diminuta paleta de cores faz com que seu trabalho fique personalíssimo, logo reconhecido pelos azuis com que trata a vegetação e os castanhos do resto da paisagem”, acrescenta. A pesquisadora ressalta também que esses registros são documentos importantes sobre as construções das vilas da época já que nas imagens encontram-se casas de pau-a-pique, telhado de palha ou folha de bananeiras.
Integrante de uma família de artistas que se instalou em Itú por conta do crescimento da produção de açúcar que marcou a região, projetou arcos para a cidade por ocasião da visita de D. Pedro II, em 1846. Na década anterior, passou boa parte do tempo dedicando-se à construção de igrejas como a Nossa Senhora da Boa Morte, em Piracicaba, e a Igreja Matriz de Rio Claro.
Mas ele não atuou apenas no interior de São Paulo. Em 1841, Dutra executou os desenhos que circundam o primeiro mapa da capital paulista. Desenhou também o pavilhão do Ipiranga - um dos mais antigos documentos iconográficos do local da Independência -, o chafariz do Piques, inslatado no Largo da Memória, no centro da cidade, o convento da Luz, a igreja do Carmo e a catedral Imperial de São Paulo, já demolida.
A produção de Miguelzinho Dutra foi reconhecida por críticos de arte e intelectuais, como Mário de Andrade e Pietro Maria Bardi, que, em 1981, escreveu o texto para o catálogo Miguel Dutra, que acompanhou a exposição homônima realizada pelo Masp.