Quem passa pelos Arcos da Lapa hoje, na região central do Rio de Janeiro, pode não se lembrar - ou talvez nem saber - que antes de virar um dos principais pontos turísticos da cidade, a imponente construção de 270 metros de extensão foi uma das mais importantes obras de infraestrutura do período colonial.
O Aqueduto da Carioca, como os Arcos eram chamados, foi construído para resolver uma questão que sempre foi paradoxal no Rio de Janeiro: o acesso à água. Instalada entre o mar e o morro e localizada numa região com muitas lagoas, manguezais e pântanos, a cidade cresceu lutando contra as áreas alagadas. Ao mesmo tempo, precisou de um complexo sistema de abastecimento para garantir água potável.
As obras para distribuição hídrica começaram em 1719, com a canalização das nascentes do Rio Carioca, mas só terminaram em 1750, com a inauguração do Aqueduto. A construção ligava o morro do Desterro (Santa Teresa) ao de Santo Antônio e transportava a água até o Convento de mesmo nome, no atual Largo da Carioca. Ali foi instalado um grande chafariz de mármore com mais de 15 bicas de bronze. Esse chafariz colonial foi substituído no século XIX por um outro projetado por Grandjean de Montigny, que ficou pronto em 1848 e foi demolido em 1925.
Construído com força de trabalho escravizada - indígena e africana -, o Aqueduto foi projetado pelo brigadeiro português José Francisco Pinto Alpoim. Sinônimo de modernidade, foi registrado por artistas brasileiros e estrangeiros, como Victor Frond, Carlos Linde, Carl Wilhelm von Theremin, entre outros. Em Viagem pelo Brasil, os pesquisadores Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius descreveram o aqueduto como “o mais belo e o mais útil monumento de arquitetura” existente no Rio de Janeiro.
A Caixa da Mãe D’Água, reservatório construído para captar e decantar a água da nascente do Rio Carioca na Floresta da Tijuca, também aparece com frequência nos registros. Desativada na década de 1980 e abandonada pelo poder público por muito tempo, apesar de ser um patrimônio histórico, passa atualmente por processos de revitalização decorrentes de movimentos da sociedade civil.
Com a expansão urbana do Rio de Janeiro no século XIX, outros rios foram canalizados e o sistema do Carioca tornou-se obsoleto. Os Arcos da Lapa passaram a ser utilizados não mais como aqueduto e sim como viaduto para bondes, facilitando o acesso do centro da cidade ao bairro de Santa Teresa. “A paisagem dos Arcos já não lembra mais a urbanização pela via do abastecimento de água. Agora, os Arcos ganham um novo significado, que também está relacionado à urbanização, eles são caminho, via, estrada. A antiga obra, que garante uma pitada de sabor pitoresco, é atualizada quando vira viaduto, ela serve agora para deixar passar o bonde elétrico, que é o que existe de mais moderno, o último grito em transporte urbano.”, defende Anita Correia Lima de Almeida, professora/doutora do Departamento de História UNIRIO, em O aqueduto da Carioca: paisagem de urbanidade.
No início do século XX, os Arcos foram uma das poucas construções que escaparam das reformas e demolições pelas quais a região da Lapa passou. Com a criação do Iphan, em 1938, eles foram protegidos pelo tombamento e tornaram-se cartão postal da cidade.
Já o Rio Carioca luta para sobreviver. Condenado a altos índices de poluição, o rio nasce nas Paineiras e percorre os bairros do Cosme Velho, Laranjeiras e Catete, desaguando na Praia do Flamengo. Quase que totalmente canalizado, está visível em apenas alguns pontos da cidade: na área de mata, onde brota; no Largo do Boticário; e na sua foz, na Baía de Guanabara. No início de 2019, o Rio Carioca ganhou esperança de sobrevivência. Tornou-se patrimônio histórico, cultural e natural, sendo o primeiro curso de água urbano tombado no país pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac).