As queimadas e o desmatamento da floresta amazônica nos últimos meses chocaram o mundo. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2018 e julho deste ano, o desmatamento amazônico cresceu quase 30% mais do que o mesmo período no ano passado. Foram destruídos 9.762 km² de mata.
Boa parte da floresta queimada ou desmatada é substituída por pastagem e plantação – em alguns lugares, há o predomínio da soja. Embora os números e a ideia de destruir a mata em prol de um avanço econômico – já que o agronegócio corresponde a 21,6% do PIB – sejam contestados, não é de hoje que o Brasil adota essa prática como forma de desenvolvimento. “A exploração da biodiversidade brasileira marcou o nascimento do Brasil como entidade política”, afirma José Augusto Pádua em Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888 (Jorge Zahar). Para o autor, a ocupação colonial do território brasileiro teve um caráter ambientalmente devastador.
No início, com a extração de Pau-Brasil, depois, com a plantação extensiva de cana, houve uma destruição importante da Mata Atlântica. Ela pode ser explicada, segundo Pádua, a partir de algumas variáveis, entre elas, a de que os europeus viam o litoral brasileiro, originalmente quase todo coberto por mais de 110 milhões de hectares de Mata Atlântica, como inesgotável. A terra estaria sempre disponível. Lavouras desgastadas eram abandonadas e substituídas por outras – que, para se tornarem propícias para o plantio, tinham sua mata virgem derrubada e queimada. Era esse nomadismo predatório que garantia a economia do país na época. Outra variável eram as técnicas de exploração rudimentares. As queimadas foram o único método de preparo da terra para o plantio e a criação de gado, adotado até o final do século XIX. A prática era mais barata e mais rápida, o que se espera numa relação entre metrópole e colônia. Até no caso da mineração, as técnicas eram ambientalmente degradantes, com o desvio dos cursos de água e o escavamento das encostas e dos leitos dos rios. A adoção de mão de obra escravizada também contribuiu para a destruição da Mata, porque facilitou o domínio do latifúndio, da monocultura e da falta de cuidado no uso da terra. Uma das razões para o constante adiamento da abolição da escravidão foi o argumento de que a agricultura seria paralisada sem a mão de obra escrava.
Mesmo com o declínio do mercado da cana, a exportação brasileira do açúcar pode ter chegado, em média, a 16 mil toneladas por ano durante todo o século XVIII, aumentando para cerca de 30 mil toneladas em 1850. O dado é ressaltado pelo historiador brasilianista Warren Dean em A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira (Companhia das Letras). Isso significa que, possivelmente, entre 1700 e 1850, foram exportados cerca de 2,6 milhões de toneladas do produto. Quanto da Mata Atlântica teve que ser derrubada para isso? Segundo o autor, mais ou menos 7.500 km2. O número, embora assustador, é ainda menor do que os 9.762 km² que a floresta amazônica perdeu no último ano.
No século XIX, veio o predomínio da plantação de café. No Rio de Janeiro, “O café avançou pelas terras altas, de geração para geração, nada deixando em seu rastro além de montanhas desnudadas”, escreveu Dean.
Essa exploração ambiental não passou despercebida pelos viajantes europeus e intelectuais brasileiros. O botânico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius ficou surpreso em saber que a região da mineração de diamantes de Minas Gerais era, inicialmente, uma floresta, e não uma pradaria. Em um discurso feito em 1821, um ano depois de deixar o Brasil, na Academia Real de Ciências da Baviera, ele afirmou que o Brasil: “Deve cessar a destruição da floresta decorrente do excessivo desmatamento para a construção de casas, a instalação de fábricas de açúcar e a escavação de minas de ouro”.
O naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, que chefiou a Viagem Filosófica de 1783, denunciou o corte indiscriminado de árvores e as queimadas em Estado presente da agricultura do Pará. Plantar uma roça de mandioca, segundo ele, era “deitar abaixo o mato à força do machado e sem fazer caso das extremidades dos troncos que ainda ficam por cortar, nem das raízes que estão por debaixo da terra ou na superfície. Contanto que se lance fogo a tudo, em ordem a se desfazer tudo com as cinzas, está lavado o terreno”.
Em 1845, o gaúcho Manuel de Araújo Porto-Alegre, professor da Academia de Belas Artes, publicou o poema A destruição das florestas: “Choro dos bosques a beleza imensa/Choro das fontes o benigno amparo/ Dos rios a riqueza e o ar saudável/ Que as florestas expandem do seu seio”; “Não é vida ante os olhos ter constante/ De um hórrido esqueleto a árida imagem/ E um quadro carcomido e lacerado/ Pelo trado do verme do egoísmo”.
Desmatamento x prosperidade econômica
Ainda hoje, defensores das queimadas e o do desmatamento desenfreado apoiam-se no discurso ultrapassado de que essas práticas são necessárias para fazer a economia brasileira avançar. Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro revogou o decreto que proibia o plantio de cana de açúcar na Amazônia e no Pantanal, o que vai estimular a ocupação e a derrubada de mais mata virgem.
Entre 1988 e 2005, o desmatamento e as queimadas colocaram o Brasil entre os cinco países que mais emitem gases de efeito estufa no mundo. “É uma desgraça da nacionalidade que não tenhamos aprendido praticamente nada com os erros do passado. Hoje os municípios campeões de desmatamento são também os mais pobres e mais violentos da Amazônia e estão entre os de pior IDH do Brasil”, escreveu o jornalista de ciência, Claudio Angelo, no texto Para entender a crise ambiental brasileira (Blog da Companhia das Letras). Para Sérgio Leitão, advogado e fundador do Instituto Escolhas, em artigo publicado no jornal Nexo, “quando se fala em desmatamento na Amazônia o que está em pauta não é a produção, mas sim a ocupação irregular de terras públicas. E o discurso de que o desenvolvimento do agro depende do desmatamento está longe de almejar qualquer interesse nacional. Serve apenas para proteger quem avança sobre patrimônio público para convertê-lo em lucros privados”.