Um dos mais importantes fotógrafos estrangeiros que se mudaram para o Brasil ao longo do século XIX, Georges Leuzinger teve papel importantíssimo no desenvolvimento das artes gráficas do país. Aliás, os suíços sempre se destacaram na consolidação das artes gráficas no Brasil. Vale lembrar da atuação de Johann Jacob Steinmann na criação de uma oficina litográfica no Arquivo Militar em 1825. Georgess Leuzinger é outro caso interessante nesse contexto.
Originário do cantão suíço de Glaris, Leuzinger chegou ao Rio de Janeiro com 19 anos, em 1832, para trabalhar na Leuzinger & Cia, empresa de comissões e exportações de seu tio Jean-Jacques Leuzinger. Quando a firma faliu, em 1840, decidiu abrir seu próprio negócio. Comprou a papelaria Ao Livro Encadernado, do também suíço Jean-Charles Bouvier, e fundou a Casa Leuzinger, um complexo editorial que, ao longo dos anos, reuniu papelaria, tipografia, estamparia de livros e gravuras, oficinas de litografia, de encadernação e de fotografia. O empreendimento foi instalado na Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, ponto das melhores livrarias, editoras e oficinas de impressão da época.
A Casa Leuzinger iniciou suas atividades num momento de expansão do mercado de revistas e livros de viagem ilustrados. Para se ter uma ideia do crescimento desse segmento no Rio de Janeiro, vale mencionar que o número de casas editoras sediadas na cidade passou de 8 para 17, entre 1847 e 1891.
Leuzinger sempre se destacou como editor de litografias, sendo responsável pela produção e circulação de boa parte da iconografia oitocentista do Rio de Janeiro. Em sua casa editora eram comercializadas estampas litográficas que ele recebia mensalmente de Paris. De lá saíam também as estampas que ele enviava para serem vendidas na Europa.
Seu primeiro trabalho como editor foi provavelmente o panorama do Rio de Janeiro reproduzido abaixo. A imagem se constitui a partir do trabalho de dois artistas: a movimentação dos barcos no primeiro plano foi desenhada pelo tenente Warre; já a cidade, ao fundo, por Alfred Martinet. Publicado em 1845, o conjunto de seis imagens que formam o panorama foi impresso na oficina Heaton & Rensburg, no Rio de Janeiro.
Atento às novidades que surgiam na Europa, nos anos 1850 Leuzinger iniciou a edição de litografias executadas a partir de daguerreótipos e não mais de desenhos. Na maior parte dos casos, a imagem final era uma junção entre o trabalho de um artista, seu colaborador Alfred Martinet, que desenhava o primeiro plano, sendo a paisagem de fundo extraída do daguerreótipo, operação executada pelos litógrafos Eugène Cicéri e Philippe Benoist. A impressão ficava a cargo da famosa casa impressora francesa Lemercier, que realizava essa parte do processo em Paris. Isso certamente facilitou a comercialização das imagens editadas por Leuzinger na Europa.
Georgess Leuzinger casou-se com Anne Antoinette du Authier na igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro e tiveram 13 filhos. O décimo, Paul, era afilhado do dinamarquês Paul Harro-Harring, amigo de Leuzinger.
Com o passar dos anos, Leuzinger tornou-se um empresário importante. Vendia serviços até mesmo para a corte imperial, ocupando o lugar, às vezes, da Impressão Régia. Imprimiu o Censo Geral do Império, de 1872, o primeiro da história do Brasil. Editou periódicos em alemão, imprimiu vários jornais brasileiros e publicou, entre outros, o Catálogo da Exposição de História do Brasil, realizada na Biblioteca Nacional entre 1881 e 1882.
Por conta da falta de mão de obra especializada, teve de desativar sua oficina de estamparia e gravura e, em 1865, optou por investir em seu ateliê de fotografia, com o objetivo de produzir e comercializar fotografias de caráter documental. O ateliê era dirigido pelo genro Franz Keller-Leuzinger, casado com sua filha Sabine Christine. Engenheiro, cartógrafo, pintor e desenhista, Keller chegou ao Brasil encarregado pelo governo de fazer os estudos preparatórios para a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. É autor de interessantes registros iconográficos da atual região do Paraná.
Leuzinger retornou para a Suíça apenas uma vez, numa viagem de visita realizada em 1873. Certa vez, numa carta ao filho Paul, escreveu sobre o fato de ser estrangeiro num país como o Brasil: “(...) Sozinho, desconhecido, entre pessoas que falavam o francês dentro de casa, que eu entendia muito mal, e, do lado de fora, o português do qual eu não conhecia absolutamente nada. País, nacionalidade, religião, usos, modo de vida, tudo novo, vendo apenas, por assim dizer, os negros meio selvagens da costa da África, (...) sem um só amigo, sem um outro conhecido além do sócio do meu tio que juntamente à mulher com quem ele vivia me olhavam de lado. Onde eu me deitei pela primeira vez em um quarto sem janela, cheirando mal e com baratas. Nesse horror de posição um só pensamento me sustentou, sem o qual eu estaria morto: o amor pela minha mãe. Por causa desse amor eu superei todas as vicissitudes da minha primeira existência muito dura no Rio, este Rio que é minha segunda pátria, mas onde eu me sinto ainda estrangeiro e onde eu morrerei estrangeiro, porque tudo é estranho aos meus ouvidos e ao meu coração, a língua, a religião, as leis, os usos: eu fui educado de uma forma por demais simples, de forma muito democrática”.
Leuzinger morreu em 1892, mas quase uma década antes disso doou para a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional um conjunto de 114 imagens de gravuras e desenhos já com o intuito de preservar seu trabalho como editor de estampas. Mesmo após sua morte, a Casa Leuzinger perdurou. Entretanto, um incêndio, em 1897, queimou boa parte do acervo e de sua história. O Instituto Moreira Salles guarda a maior coleção de trabalhos de Leuzinger e detém, por doação dos descendentes do suíço, o arquivo de 290 documentos, imagens e correspondências de família que seu filho Paul reuniu entre 1850 e 1903.