A Covid-19, doença respiratória causada pelo novo coronavírus, não é a primeira – e, infelizmente, não será a última – enfermidade a ameaçar a existência de povos indígenas. Desde a chegada dos europeus ao continente americano, foram inúmeras as epidemias que exterminaram povos inteiros. Varíola e sarampo perseguiram indígenas por séculos em diversas regiões do Brasil. O botânico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, que esteve no país entre os anos 1817 e 1820 e foi um dos pioneiros no estudo das doenças e também da medicina dos nativos brasileiros, escreveu em Natureza, Doenças, Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros (1844) que essas eram as duas causas “de que mais morriam os índios”.
Boa parte das imagens que registram o contato dos povos indígenas com o homem branco que estão presentes aqui na Brasiliana Iconográfica – e que vamos exibir ao longo deste texto –, foram feitas por viajantes que, como Martius, acompanharam expedições ou trabalharam em publicações que tinham o objetivo de revelar o Brasil ao Velho Mundo. Theodore de Bry, por exemplo, fez uma série de imagens datadas de 1596, produzidas logo nos primeiros anos da colonização do Brasil.
Hoje o número de povos indígenas isolados é infinitamente inferior ao que aqueles viajantes tiveram acesso ou registraram. O contato entre brancos e índios se intensificou ao longo dos séculos sempre em nome de um suposto avanço econômico e/ou social. Terras foram invadidas, os povos originários perderam seus territórios, culturas foram dizimadas.
E agora, diante da pandemia de Covid-19 que assola o mundo todo, a situação é muito mais preocupante. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), a doença já se espalhou por mais de 120 povos e matou 408 indígenas. No total, são mais de 10 mil casos confirmados de Covid-19. Esses dados, registrados no dia 2 de julho de 2020, são bem superiores aos divulgados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que não leva em conta mortes ou contaminação de indígenas que não estão aldeados.
Segundo especialistas, do ponto de vista da imunidade, índios brasileiros são tão suscetíveis a essa doença como qualquer outra pessoa porque, ao contrário das epidemias que enfrentaram anteriormente, não existe memória imunológica do vírus nem para brancos nem para índios. No entanto, a letalidade entre eles pode ser maior por alguns motivos: o modo de vida comunitário, que é cultural, aumenta a possibilidade de contágio; muitos indígenas não contam com saneamento básico e lavar as mãos, a principal forma de evitar contaminação, pode não ser uma tarefa simples; alguns povos enfrentam muita dificuldade para acessar o sistema público de saúde. A situação é potencializada pelo enfraquecimento da política indigenista adotada pelo governo federal, assim como pelo afrouxamento da vigilância e das leis que garantem o isolamento. Garimpeiros, posseiros, ruralistas – apoiados pelo governo – têm aproveitado a pandemia para invadir reservas.
“Quem procurou esse problema foi o homem branco, com o desmatamento, destruindo o planeta atrás de diamante, ouro, petróleo... Quando Omama, o nosso criador, deixou a xawára debaixo da terra, ele avisou para não mexer ali. Mas os garimpeiros reviraram a terra, desmatando tudo e poluindo os rios. O homem branco libertou a xawára, a pandemia, e agora não apenas os Yanomami, mas o mundo inteiro está sendo contaminado pelo coronavírus.” Esse é um trecho da entrevista que Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), cedeu para o jornal O Globo no dia 5 de junho de 2020, quando lançou a campanha ""Fora garimpo, Fora covid"". o objetivo da campanha é enviar uma petição às autoridades reivindicando a remoção dos mais de 20 mil garimpeiros – potenciais transmissores do coronavírus – na reserva Yanomami entre Roraima e Amazonas.
Pela primeira vez em séculos, uma doença desconhecida faz o homem branco experimentar o medo e a fragilidade que acompanham a resistência indígena desde que o primeiro contato entre as populações aconteceu. Mas o Brasil parece não aprender com isso. “Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro”, escreveu Ailton Krenak.
Selecionamos alguns links com iniciativas e conteúdos sobre a questão indígena na pandemia:
- A editora Companhia das Letras disponibilizou download gratuito do e-book O Amanhã Não Está à Venda, de Ailton Krenak. Para baixar, clique aqui.
- A antropóloga e professora do Museu Nacional Aparecida Vilaça escreveu para o site da revista Serrote sobre a ameaça aos povos indígenas, aqui. Ela também lançou um livro pela editora Todavia, Morte na floresta, mais informações aqui.
- O Instituto Socioambiental (ISA) criou uma plataforma exclusiva para divulgação de dados e notícias sobre o impacto da pandemia nas populações indígenas brasileiras. Veja aqui.
- Essa mesma plataforma do ISA cadastrou mais de 50 campanhas de apoio aos povos indígenas para quem quiser ajudar, mas não sabe como. Veja a lista aqui.
- Para saber mais sobre a campanha Yanomami ""Fora Garimpo, Fora Covid"", clique aqui.