O artista inglês Charles Landseer (1799-1879) visitou São Paulo entre 1825 e 1826, pouco tempo depois de a região ter sido cenário de um importante marco histórico do Brasil: o grito da Independência às margens do rio Ipiranga. Nessa época, a cidade era ainda um vilarejo, com cerca de 20 mil habitantes, e sua economia se baseava no comércio de gado e outros animais, além da cana de açúcar e o café, que começava a ser plantado no Vale do Ribeira.
Depois de conhecer o Rio de Janeiro e Salvador, na Bahia, cidades na época mais populosas e desenvolvidas, nas quais o artista retratou paisagens e também a população negra que ali circulava e trabalhava, em São Paulo, Landseer deteve seu olhar na população branca, principalmente nos tropeiros, acompanhados ou não de seus animais.
O desenho acima mostra um homem com poncho, que era usado como agasalho pelos tropeiros paulistas, uma herança que tanto pode ter vindo das capas compridas usadas pelos europeus como dos abrigos de lã usados por indígenas da região dos Andes, com quem também tiveram contato. Durante o período da União Ibérica (1580-1640) os paulistas costumavam percorrer o sertão chegando até os territórios que hoje pertencem ao Peru, à Bolívia e ao Equador em busca de indígenas para escravizar e de metais preciosos.
A maioria dos homens, como esse e os dos desenhos abaixo, andavam de calças curtas e descalços, costume que veio não só dos indígenas mas também dos camponeses portugueses.
Homens com mais posses podiam usar calçados, em geral botas do tipo ibérico, moles e colantes, feitas de couro de veado. Como viviam fazendo comércio de gado e cavalos, costumavam também usar esporas, chamadas de chilenas. O vestuário ainda trazia bastante influência de origem ibérica. Como podemos ver, em São Paulo as modas da Europa, trazidas com a vinda da Corte portuguesa em 1808, ainda não haviam chegado.
O mesmo vale para as mulheres paulistas, que se vestiam com muita simplicidade e estavam ainda nessa época bastante distanciadas das modas da corte. Somente depois de 1840, começa a aparecer em São Paulo o comércio de moda, que demoraria ainda a interessar as mulheres mais humildes.
As paulistas se vestiam da mesma maneira do início da colonização, também com influência ibérica, com vestido longo e uma mantilha ou roupão que cobria da cabeça até quase os pés. Podemos ver nos desenhos de Landseer dois exemplos, o de uma mulher mais simples, vestida com uma roupa clara e descalça, e a de outra com sapatos, e roupa de tecido escuro, que costumava ser de lã. Nenhuma joia ou outro adereço, a não ser uma flor na mão de uma delas.
"Até o século XIX as paulistanas mantiveram os mantos negros de sarja e de baeta, os roupões ornados com galões dourados descendentes da ropa espanhola quinhentista e o pequeno chapéu negro de feltro, com o seu respectivo véu. Da mesma maneira, o paulista conservou o poncho (antigo bernéu) e suas botas colantes de couro de veado. Ao longo do Dezenove, as modas se modernizaram, mas as famosas baetas cobrindo as moças pobres perduraram até os anos de 1870, quando o processo de urbanização da cidade se acelerou definitivamente, extinguindo centenárias tradições", afirmou o pesquisador Eudes Campos em seu artigo Pequena contribuição para o estudo da indumentária dos primeiros paulistanos, publicado no Informativo do Arquivo Histórico de São Paulo.
Dos cerca de 300 desenhos e aquarelas feitos por Landseer durante a viagem, que também passou por Portugal e a Ilha da Madeira, os 143 que retratam o Brasil podem ser vistos aqui na Brasiliana Iconográfica.