As barbearias e os barbeiros ambulantes tomavam conta da paisagem do centro do Rio de Janeiro no século XIX. Ofereciam serviços que iam desde aparar a barba até pequenas cirurgias. A maioria da população não tinha acesso a médicos ou remédios e os barbeiros eram procurados para resolver dor de dente e uma série de doenças através da extração, da sangria ou das sanguessugas.
Ampliando a segunda gravura acima, do pintor francês Jean Baptiste Debret (1768-1848), é possível ler na placa da barbearia as habilidades do profissional: "barbeiro, cabeleireiro, sangrador, dentista e deitão de bixas". As "bixas" são as sanguessugas. Era prática comum na época recorrer a elas e recomendava-se colocá-las atrás dos ouvidos, no peito ou ao redor dos olhos para tirar o sangue e assim curar.
Como Debret observou, em 1834, em seu Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016), "no Rio de Janeiro como em Lisboa as lojas de barbeiros, copiadas das espanholas, apresentam naturalmente o mesmo arranjo interior e o mesmo aspecto exterior com a única diferença de que o oficial de barbeiro no Brasil é quase sempre negro ou pelo menos mulato. Esse contraste chocante para o europeu não impede ao habitante do Rio de entrar com confiança numa dessas lojas, certo de aí encontrar numa mesma pessoa um barbeiro hábil, um cabeleireiro exímio, um cirurgião familiarizado com o bisturi e um destro aplicador de sanguessugas".
Segundo o historiador Rodrigo Aragão Dantas, em sua tese intitulada Barbeiros-sangradores: as transformações no ofício de sangrar no Rio de Janeiro (1844-1889), a técnica com as sanguessugas "era basicamente a mesma praticada largamente na Europa, que consistia em: amarrar com ataduras o sangradouro, para que a veia se levantasse e assim o barbeiro tivesse uma melhor visão. Depois se friccionava com os dedos, se dava um corte rápido e raso para que não atingisse nenhum nervo ou artéria. Após a saída da quantidade de sangue desejada, o barbeiro estancava a ferida com pano, envolvendo assim o corte com uma atadura. Os instrumentos normalmente usados eram: a lanceta, a sanguessuga e a ventosa (de vidro ou ossos)". A sangria era vista como uma possível cura para diversos males, já que se acreditava que o excesso de sangue desequilibrava o organismo e que o "desvio do fluxo sanguíneo, permitia que todos os componentes danosos que naturalmente entraram em contato com o sangue através do corpo, fossem eliminados permitindo ao enfermo voltar a ficar sadio". Com o avanço da ciência e de novos estudos de medicina, essa prática deixou de ser recomendada e caiu em desuso.
Figura típica do Rio de Janeiro, retratada pelo pintor carioca Joaquim Lopes de Barros Cabral Teive (1816-1863), no álbum Costumes Brasileiros (1841), o barbeiro, negro liberto ou mesmo ainda escravizado, podia também colocar seu banquinho na rua e atender ali mesmo todos os interessados por seus serviços. Teive foi aluno de Debret na Academia Imperial de Belas Artes assim como outro brasileiro, o cearense José dos Reis Carvalho (1800-1872), autor do desenho abaixo, de 1851, que mostra um barbeiro atuando na Bica dos Marinheiros.
Na estrutura social da época, os médicos eram poucos, atuavam como estudiosos, raramente direto com seus pacientes, e nem lidavam com sangue. Essa atividade, considerada "menos nobre", era realizada pelo cirurgião, um trabalhador com mais status, nas questões mais complicadas, e pelos barbeiros, nas mais simples. Ao longo do século XIX, a diferença entre os cirurgiões e barbeiros foi se ampliando, com a criação de cursos acadêmicos que transformavam os primeiros em profissionais liberais enquanto os barbeiros permaneciam como trabalhadores manuais. Como consequência, os barbeiros começaram a se restringir, cada vez mais, aos cortes de cabelo.
Segundo a historiadora Betânia Gonçalves Figueiredo, em seu artigo Barbeiros e cirurgiões: atuação dos práticos ao longo do século XIX, "era pequeno o conhecimento necessário para desempenhar a atividade de barbeiro, e este limitava-se ao campo prático. A valorização daqueles que lidavam com o corpo em chagas era pequena. É bastante reveladora, nos levantamentos censitários -especialmente de 1832 e 1871- a associação dos dados gerais com as profissões. Praticamente todos os barbeiros são homens pardos ou negros. Alguns, homens livres, outros escravos, mas todos pardos ou negros, reforçando a ideia de desqualificação do trabalho dos barbeiros".
Entre os barbeiros-sangradores, como eram conhecidos, havia também uma diferença entre os que tinham suas lojas e os que atuavam na rua. "Relegados, em verdade, ao último grau da hierarquia dos barbeiros, esses Fígaros nômades sabem, entretanto, tornar sua profissão bastante lucrativa pois, manejando com habilidade navalha e tesouras, consagram-se à faceirice dos negros de ambos os sexos, igualmente apaixonados pela elegância do corte de seus cabelos", escreveu Debret em seu livro de viagem. A primeira gravura dele, acima, também retrata esses ambulantes.