Os guaranis foram um dos primeiros povos indígenas a manter contato com os colonizadores. Habitantes de vasto território na América do Sul, viviam espalhados pelas regiões hoje conhecidas como Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai, o sul do Brasil, na bacia dos rios Paraná e Paraguai, e também no litoral, da região da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, até Cananéia, em São Paulo. Eram caçadores e agricultores nômades e somavam de 1.5 milhão a 2 milhões de pessoas no início do século XVI, quando os conquistadores chegaram.
A mulher guarani a caminho da missa de domingo (acima), retratada pelo francês Jean Baptiste Debret (1768-1848) no início do século XIX, mostra como parte dessa população já havia incorporado certos costumes dos colonizadores. "Entre esses selvagens o epíteto de 'índio civilizado' significa 'índio batizado'. Os jesuítas, que foram seus senhores antigamente, haviam feito deles seus vassalos e os empregavam como trabalhadores em todos os ofícios, na construção de sua igrejas e de suas fazendas, e na cultura de suas terras. É a essas circunstâncias que se deve o fato de se encontrarem ainda hoje, nos resíduos de sua raça, vestígios desses conhecimentos industriais", escreveu o artista, carregado de seus preconceitos europeus, em seu Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016).
O preconceito expresso pelo francês reflete uma mentalidade que perdurou por vários séculos e praticamente decretou o fim da etnia Guarani. Esse povo indígena foi um dos principais alvos da catequização dos jesuítas, que estabeleceram diversas aldeias com esse fim no sul do Brasil, foi também caçado pelos bandeirantes para serem escravizados, mas resistiu a todas essas investidas. Na verdade, embora tenham assimilado muito da cultura dos jesuítas, os guaranis já dominavam técnicas de agricultura e desenvolveram no sul do país plantações de erva-mate e de uvas, como mostra a gravura abaixo, também de Debret.
"A aldeia de São Vicente, perto da cidade de Rio Pardo, província de São Pedro do Sul, constitui-se igualmente de famílias desses índios civilizados, que se dedicam com êxito à cultura da uva, fabricando um vinho cujo gosto, muito semelhante ao do madeira seco, é apreciado pelos americanos do norte que o importam. Os guaranis proprietários, que têm o hábito de sair somente a cavalo, usam o rico costume hispano-americano", escreveu o artista.
No início do século XIX, quando Debret publica seu livro, os aldeamentos estavam muito reduzidos e os povos indígenas espalhados pelo território em aldeias organizadas por eles mesmos ou ainda inseridos nas cidades. Eles haviam perdido boa parte de suas terras no sul do Brasil, onde viviam nas aldeias implantadas pelos jesuítas, expulsos do país em 1760.
Em 1845, D. Pedro II (1825-1891) assinou um novo projeto de aldeamento de indígenas, o primeiro promovido pelo Estado. Administrado desta vez por frades capuchinhos, o projeto pretendia, ao mesmo tempo, assentar os habitantes originais como trabalhadores rurais e liberar as terras deles para os imigrantes que vinham da Europa. Esses aldeamentos, que reuniam povos de diferentes etnias, entre eles os guaranis, serviram ainda como produtores de alimentos para o exército na Guerra do Paraguai (1864-1870), antes de se extinguirem com o final do Império (1889).
Nesta outra gravura de Debret, vemos indígenas que trabalhavam como artilheiros no Rio de Janeiro. Além de fugir dos aldeamentos para as cidades, os guaranis sempre foram um povo nômade e se deslocaram para o leste atendendo o chamado de seus líderes religiosos, que estavam convencidos de que ali encontrariam a Terra sem Mal. Exceto os que ficaram pelas cidades vivendo de maneira isolada de seus costumes, os guaranis praticamente desapareceram do estado do Rio de Janeiro, expulsos pela exploração agrícola. Somente em 1940, membros do grupo linguístico Mbya, vindos do sul do Brasil, se estabeleceram na região de Parati e Angra dos Reis.