"Alto, magro, moreno bronzeado, tem os olhos negros e penetrantes, lábios finos, nariz pontudo e aquilino, narinas rasgadas: todos estes traços dão-lhe à fisionomia uma aparência de águia e de grande energia", assim o oficial do Exército e deputado Anfriso Fialho (1840-?) descreveu o marechal Manoel Deodoro da Fonseca (1827-1892), em seu livro História da Fundação da República no Brasil (Editora da Universidade de Brasília, 1983).
Deodoro da Fonseca era um capitão problemático, insubordinado, que em menos de dois anos havia sido preso cinco vezes, e só viu sua carreira facilitada depois da Guerra do Paraguai, para onde foi mandado em 1864 e passou seis anos lutando. Foi ferido na batalha de Itororó e voltou ao Brasil em 1870, com a guerra já praticamente terminada. Militar condecorado desde então, foi promovido a brigadeiro em 1874 e nomeado comandante de armas no Rio Grande do Sul, em 1883, quando começou a se envolver com a política. Deodoro da Fonseca sempre se declarou monarquista e amigo de D. Pedro II.
Mas a Guerra do Paraguai, sobretudo os gastos que causou, havia sido um desgaste para a monarquia brasileira. Já em 13 de dezembro de 1870, o Partido Republicano do Rio de Janeiro publicou no jornal A República, o Manifesto Republicano que afirmava que o regime monárquico era “uma instituição decadente”, propunha que as províncias fossem transformadas em Estados e falava em “direitos da nação”, “opinião nacional”, “soberania do povo”, “causa do progresso”, “liberdade individual”, “liberdade econômica”, “voto do povo”, valores que foram deixados de lado quando, quase vinte anos depois, em 1889, Marechal Deodoro da Fonseca acabou por encabeçar o golpe militar que proclamaria a República no país.
Entre 1883 e 1887, a Questão Militar, uma série de conflitos entre o Exército e a monarquia, afastou o imperador de seus comandados. O exército se sentiu ameaçado quando o governo monárquico passou a distribuir a civis títulos de nobreza a torto e a direito ao mesmo tempo em que cortava os soldos e benefícios dos militares, além de tê-los proibido de se manifestar na imprensa. A partir de 1887, Deodoro da Fonseca presidiu o recém fundado Clube Militar, criado para proteger a classe e que acabou se tornando o centro de conspiração do golpe.
O movimento republicano já havia ganhado também outros adeptos, principalmente entre a elite, nomeadamente os cafeicultores paulistas, descontentes com o avanço das leis antiescravistas que culminariam na Lei Áurea, em 1888. Nesse mesmo ano, o governo tentou afastar Deodoro da Fonseca do Rio de Janeiro, onde o movimento republicano fervia entre os militares, sendo enviado para o Mato Grosso para ser comandante de armas na província e comandar uma expedição militar nas fronteiras com a Bolívia e o Paraguai. Mas o marechal logo percebeu que estava sendo ludibriado e voltou ao Rio em setembro de 1889, agora já sem o menor resquício do monarquismo que o acompanhara durante sua carreira.
Ainda relutante, se tornou líder do movimento que aglutinava lideranças militares, republicanos moderados e monarquistas desiludidos. Foi nomeado presidente do governo provisório imediatamente após a proclamação da República e, em fevereiro de 1891, foi mantido no cargo, eleito de forma indireta pelos membros do Congresso Constituinte. Em novembro do mesmo ano, Deodoro foi forçado a renunciar pelo seu vice, Floriano Peixoto (1839-1895), que ficou conhecido como "o Marechal de Ferro".
O povo brasileiro quase não teve participação na mudança de sistema de governo no país. Os poucos que puderam votar nos membros do Congresso Constituinte eram homens brancos, com alguma posse e alfabetizados. Até 1930, os que tinham direito a voto representavam apenas 5,6% da população brasileira. Deodoro da Fonseca, que sempre sofreu de falta de ar, morreu nove meses depois de sua renúncia.