Embarcações de todos os tipos e tamanhos aparecem nas diferentes vistas da baía de Guanabara pintadas pelos viajantes. O Rio de Janeiro era um centro importante de navegação no século XIX e navios de várias nacionalidades estacionavam ali. Mas, em vez de um porto como conhecemos hoje, havia no local atracadouros improvisados que se estendiam ao longo da costa. Centenas de botes, canoas, catraias e faluas (embarcação com cobertura à vela e a remo) transportavam mercadorias e pessoas dos grandes navios até esses atracadouros na praia e vice-versa. Também era muito usado o transporte marítimo entre as diferentes praias da cidade. Se hoje só restaram as rotas de Rio de Janeiro a Niterói, a Ilha de Paquetá ou do Governador, naquele tempo era comum a locomoção por mar de Botafogo ou de São Cristóvão até o centro, trajeto mais rápido e seguro do que por terra.
Na gravura acima, do pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858), vemos uma pequena embarcação chegando ou saindo da praia de Botafogo com senhores bem-vestidos dentro. Já na obra do inglês Henry Chamberlain (1796-1844), abaixo, homens negros remam nas faluas transportando passageiros perto da Gloria.
Muitos escravizados que trabalhavam no sistema de ganho exerciam o trabalho de remadores, já que a demanda era grande e essa era uma maneira de conseguir dinheiro para dar a seus proprietários. Mas também escravizados eram alugados por seus senhores ou eram obrigados a trabalhar nos botes quando estes eram proprietários de alguma embarcação. Os escravizados disputavam trabalho com os libertos e também com imigrantes brancos, principalmente os que chegavam ao Brasil como clandestinos e essa era uma maneira de começar a vida no novo país. Os barcos a vapor só começariam a trafegar na linha Rio de Janeiro-Niterói em 1835 mas, pelo custo alto e a falta de mão de obra especializada, levaria bastante tempo para que se tornassem o meio de transporte mais comum na baía de Guanabara.
A praia de Don Manuel, na pintura (acima) de 1823, atribuída ao francês Félix-Émile Taunay (1795-1881), era das mais movimentadas e, como é possível ver, até animais eram transportados por ali. Também era o local de chegada de muitos passageiros de navios estrangeiros, que eram encaminhados aos hotéis. Um movimento grande ainda se vê na gravura (abaixo) de 1847, do também francês Adolphe d'Hastrel (1805-1874), que mostra a mesma praia e o ancoradouro do cais Pharoux, batizado pelo hotel elegante construído ali pelo francês Louis Dominique Pharoux (?-1867), onde atualmente é a Praça XV.
"As dificuldades de desembarcar eram crônicas e as reclamações, constantes. Não importava se se chegava de falua, bote ou vapor, os passageiros tinham que passar das embarcações para as pontes de atracação e daí chegar até terra firme. Essas pontes eram construídas de madeira e sua manutenção não era frequente, uma vez que encontramos algumas reclamações sobre o estado delas. As pontes de pedra passaram a ser utilizadas com a introdução do vapor, que exigiu que elas fossem maiores e mais resistentes", escreveu o historiador Edilson Nunes dos Santos Junior em sua tese Sobre as águas da Guanabara: transporte e trabalho no Rio de Janeiro do século XIX 1835-1845 (Universidade Federal Fluminense, 2016).
A praia da Saúde também era das mais movimentadas e englobava o espaço que hoje se chama de Gamboa. Ali, além de ter uma grande quantidade de botes e canoas circulando entre os navios fundeados, também era local de reparo e construção de embarcações. Na gravura (abaixo) de 1861, do fotógrafo francês Victor Frond (1821-1881), é possível ter uma ideia desse movimento. Todas essas praias do centro do Rio que serviam de pontos de embarque e desembarque de mercadorias e pessoas, como a de São Cristóvão, Don Manuel, Saúde e Prainha, entre outras, desapareceram com as reformas feitas na cidade, principalmente com a construção do porto do Rio de Janeiro, a partir de 1903.