A rainha Carlota Joaquina (1775-1830) entrou para a história como uma mulher voluntariosa, com traços masculinos e que odiava o Brasil. Casada aos 10 anos com o então príncipe que viria a se tornar D. João VI (1767-1826), a filha mais velha do rei Carlos IV (1748-1819) da Espanha nunca se integrou totalmente à corte portuguesa em Lisboa ou no Rio de Janeiro, para onde foi obrigada a se mudar em 1807. Carlota Joaquina era orgulhosa de sua origem espanhola e lutou pela soberania de seus antepassados com as armas que tinha. Alguns autores têm demonstrado que ela era uma mulher à frente de seu tempo, que se envolvia em questões políticas e seguia seus desejos como os homens eram autorizados a fazer desde sempre. "As biografias de Carlota Joaquina trazem desde o título o rancor e o desprezo que a História sente pela personagem. Duas dessas biografias publicadas no Brasil se intitulam Carlota Joaquina, a rainha intrigante, de Marcus Cheke (1949), e Carlota Joaquina, a rainha devassa, de João Felício dos Santos (1968). Sem querer entrar em discussões sobre questões de gênero, está claro que é importante ao menos problematizar a produção histórica sobre a 'princesa do Brasil'. Um parecer comum – entre muitas contradições – dos biógrafos, historiadores e cronistas diz respeito à vocação da princesa para a política", escreve a historiadora Francisca L. Nogueira de Azevedo no artigo Carlota Joaquina, a herdeira do império espanhol na América (Revista Estudos Históricos, FGV, v.10, n.20, 1997).
A gravura abaixo, de autoria não identificada, intitulada Le ministre Américain, à Rio-Janeiro, refuse de mettre pied à terre devant la voiture de la Reine de Portugal (O ministro americano se recusa a descer do cavalo diante da carruagem da rainha de Portugal), retrata um dos momentos em que a rainha fez questão de impor sua autoridade e acabou causando um incidente diplomático entre a corte portuguesa e os Estados Unidos. Em seu livro 1808 - Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil (São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007), o jornalista Laurentino Gomes afirma que a rainha "exigia, sob ameaças, que as pessoas lhe prestassem homenagem quando saía pelas ruas do Rio de Janeiro. Pelo protocolo, os homens tinham de tirar o chapéu e se ajoelhar diante da família real, em sinal de respeito. Isso causou uma série de incidentes diplomáticos, uma vez que a maioria dos representantes estrangeiros se recusava a cumprir o ritual. O mais famoso deles envolveu Thomas Sumter, ministro dos Estados Unidos, republicano convicto e vizinho de Carlota no bairro de Botafogo".
O jornalista descreve a cena que vemos na gravura: "Sumter estava passeando a cavalo quando a comitiva da rainha se aproximou a galope. O ministro cumprimentou-a polidamente, mas sem tirar o chapéu ou se ajoelhar. Carlota não se deu por satisfeita e exigiu que os guardas o obrigassem a desmontar e cumprir o protocolo. Os soldados cercaram o diplomata e ameaçaram chicoteá-lo. Irritado, Sumter puxou um par de pistolas e avisou os soldados que estava disposto a matá-los caso usassem o chicote contra ele".
Thomas Sumter Junior (1768-1840), um republicano, foi Ministro Plenipotenciário dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e único diplomata norte-americano nas Américas entre 1810 e 1819. Ele teria se queixado do comportamento da rainha para D. João VI, mas não foi o único estrangeiro a fazer reclamações sobre Carlota Joaquina. Lorde Strangford (1780-1855), embaixador da Inglaterra em Lisboa que se mudou com a família real para o Brasil, teria também levado chicotadas a mando da rainha. Ainda segundo Laurentino Gomes, "foram tantas as reclamações que D. João decidiu isentar todos os estrangeiros de qualquer gesto de deferência à família real portuguesa".
Lorde Strangford, que apoiava a independência das colônias espanholas, e Carlota Joaquina, que defendia os interesses coloniais de seus pais, nunca se entenderam. O embaixador inglês sempre boicotou o desejo da rainha de comandar as províncias platinas e também qualquer interferência dela nas decisões de D. João VI, até ser afastado pelo regente em 1817.