A colonização no litoral norte de São Paulo não foi tarefa fácil para os portugueses, que precisaram enfrentar a resistência dos indígenas e a geografia do local antes de ali se estabelecerem. Os tamoios, aliados aos tupinambás e aos franceses, interessados em conquistar a região, não aceitaram pacificamente a chegada dos colonizadores. Ubatuba era o centro geográfico dessa batalha que durou mais de 50 anos e se estendeu de Bertioga até Cabo Frio, no Rio de Janeiro.

"Dos próprios Tamoio não possuímos descrição alguma dos eventos que os tornaram famosos. Como os demais grupos tupi da costa, foram varridos do litoral para dar lugar à expansão da colonização portuguesa e, em meados do século XVII, já não havia notícia de grupos tupi ao longo da costa de que antes eram senhores. Seu depoimento está dissolvido no discurso de missionários e viajantes", escreveram os pesquisadores Beatriz Perrone-Moisés e Renato Sztutman no artigo Notícias de uma certa confederação Tamoio (Rio de Janeiro: Revista Mana - Estudos de Antropologia Social, vol.16, N2, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS- Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010).

Foi para a região de Ubatuba, antes chamada de Iperoig, que os jesuítas José de Anchieta (1534-1597) e Manoel da Nóbrega (1517-1570) foram enviados, em 1563, para tentar negociar a paz com os indígenas. São deles os principais relatos do século XVI sobre esses povos originários e sobre a guerra dos tamoios, mas alguns viajantes também deixaram seus testemunhos.

Les singularitez de la France antarctique: autrement nommee Amerique [...]

Menos de dez anos antes, em 1557, o frade franciscano e cosmógrafo André Thevet (1502-1592) publicou em Paris Les singularités de la France Antartique, sobre a flora e a fauna brasileiras e os costumes dos tupinambás, aliados da França na tentativa de conquistar o território da baía da Guanabara. Thevet veio ao Brasil em 1555 acompanhando a expedição do vice-almirante Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1571) que, sob ordens do rei Henrique II, planejava fundar aqui uma colônia, a França Antártica.

[Poracé - Recepção do cativo Hans Staden pelas mulheres tupinambás, na aldeia de Ubatuba]

No mesmo ano, o aventureiro Hans Staden (1525-1576) publicou na Alemanha seu relato Duas Viagens ao Brasil. O aventureiro alemão viveu por nove meses como prisioneiro dos tupinambás em Ubatuba, depois de ser capturado em Bertioga, onde trabalhou para os portugueses, após sobreviver a um naufrágio. Em seu livro, ilustrado com algumas das primeiras imagens de povos originários do Brasil, ele descreveu seus encontros com Cunhambebe (?-c.1555), um dos mais temidos chefes que formavam a Confederação dos Tamoios e que também se encontrou com André Thevet no Rio de Janeiro.

[Conselho dos chefes tupinambás, na aldeia de Ubatuba]

Hans Staden descreve ainda como, na tentativa de se salvar, alertou o chefe sobre o iminente ataque dos tupiniquins, aliados dos portugueses, à aldeia (gravura abaixo). "Eu já tinha dito que os amigos dos portugueses, os tupiniquins, planejavam uma expedição contra os tupinambás. Finalmente eles vieram em 25 barcos e certa manhã atacaram a aldeia. Quando investiram nas cabanas e começaram todos a atirar, os agredidos ficaram apavorados e as mulheres quiseram fugir. Então disse a eles: 'Vocês me tomam por um português, por seu inimigo. Deem-me um arco e flechas e soltem minhas cordas. Ajudá-los-ei, então, a defender suas cabanas'. (...) Minha intenção era escapar através da cerca que circundava as cabanas e fugir em direção aos atacantes, pois estes me conheciam bem e sabiam que eu estava na aldeia. Mas eu estava demasiadamente vigiado. Quando os tupiniquins perceberam que não conseguiriam nada, retiraram-se para seus barcos e partiram. Tão logo os agressores se afastaram, fui novamente colocado sob guarda", escreveu Staden em seu relato (Duas viagens ao Brasil : primeiros registros sobre o Brasil, Editora L&PM, Porto Alegre: 2011).

[Ataque dos Tupiniquins à aldeia de Ubatuba]

"Essa intrigante experiência bélica perdurou até 1567, quando Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, com apoio do chefe temiminó Arariboia, derrotou na batalha de Uruçumirim a brigada franco-tupi, consolidando a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro", escreveram os pesquisadores. Antes disso, em1555, Staden já havia voltado para a Europa, depois de ser resgatado por franceses no Rio de Janeiro.

Silva Primaeva Inter Ubatuva et Jundicuara, in Confiniis Prov. S. Pauli et Sebastianopolitanae

As batalhas e doenças como a varíola, que matou Cunhambebe, e o sarampo eliminaram os indígenas da região de Ubatuba e os portugueses estabeleceram ali uma vila. A coroa passou a conceder sesmarias nesse litoral, onde plantaram fumo, anil, cana-de-açúcar e, mais tarde, café. Mas por volta de 1850 a região foi preterida pela do Vale do Paraíba, onde a produtividade era maior.

Prope Jundicuara Praedium in Districtu Ubatuba, Prov. Rio de Janeiro.

A natureza preservada da serra do Mar chamou a atenção do diplomata belga Benjamin Mary (1792-1846), autor das ilustrações dessa região que serviram de base para as utilizadas pelo botânico alemão Carl Friedrich Philip Von Martius (1794-1868) em sua obra Flora Brasiliensis, até hoje referência nos estudos de botânica, publicada entre 1840 e 1906 na Alemanha. Martius narrou em seu livro a empolgação de Mary com essa paisagem: "Quando ele estava em Atenas, procurava-me na Alemanha, me visitava para grande alegria minha; retratava, cheio de admiração e alegria, a magnificência da vegetação, tendo-me advertido sobretudo para aquela da Serra do Mar, entre a capital e os limites da província de São Paulo. Ele dizia que dificilmente há no mundo uma região que ofereça uma exuberância mais ampla de folhagens e ramos ou espécies mais vastas de diversíssimo gênero e mais numerosas plantas, do que aquele cimo separado por profundos desfiladeiros, no qual, em virtude do solo muito misturado com granito dissolvido e com o vapor do ar sempre muito úmido do oceano próximo, toda a vida das plantas é alimentada" (A Viagem de von Martius, Flora Brasiliensis, vol. I. tradução do latim de Carlos Bento Matheus, Lívia L. P. Barreto, Miguel B. do Rosário. Rio de Janeiro: 1996).