As ilustrações do livro da inglesa Maria Graham (1785-1842) vêm se juntar às do álbum de Marguerite Tollemache (1818-1896) e às do livro de Elizabeth Agassiz (1822-1907) para reforçar a presença de obras criadas por mulheres neste portal. Graham foi a primeira delas a chegar ao Brasil, em 1821, a bordo da fragata Doris, da marinha britânica, comandada por seu marido, o oficial inglês Thomas Graham (1781-1822), enviado para proteger os interesses comerciais dos ingleses na América do Sul.
Maria Dundas Graham era filha de George Dundas (1756-1814), um almirante da marinha britânica que estava sempre em viagens. Sua mãe tinha a saúde frágil e morreu pouco depois que Maria foi enviada, aos 7 anos, para um colégio interno em Abingdon, a oeste de Londres. Na escola, desenvolveu seu gosto pela leitura e teve aulas de história da arte, desenho, história natural, botânica, história e geografia, o que lhe conferiu uma formação bastante sólida para uma jovem de sua época. Depois, passou a viajar com o pai e fazer desenhos e anotações por onde passava. Os estudos de desenho e botânica podem ser observados na gravura abaixo, em que ela destacou a árvore que lhe chamou a atenção na Bahia.
Aos 23 anos, Maria foi com o pai para a Índia, onde conheceu Thomas e se casou, em 1809. O casal voltou à Inglaterra em 1811 e Maria publicou seu primeiro livro Journal of a Residence in India (1812). Em 1819, morou na Itália com o marido e publicou Three Months Passed in the Mountains East of Rome, during the Year 1819. Sempre interessada em arte, no ano seguinte escreveu um livro sobre o pintor francês Nicolas Poussin. Quando veio ao Brasil, ela já era uma escritora respeitada na Inglaterra.
A fragata Doris aportou no Recife, onde Maria Graham teve seu primeiro contato com pessoas escravizadas. A experiência a deixou perturbada: "Não tínhamos dado cinquenta passos no Recife quando ficamos inteiramente perturbados com a primeira impressão de um mercado de escravos. Era a primeira vez que tanto os rapazes quanto eu estávamos num país de escravidão, e por mais que os sentimentos sejam penosos e fortes quando em nossa terra imaginamos a servidão, não são nada em comparação com a visão tremenda de um mercado de escravos. (...) O espetáculo nos fez voltar ao navio com o coração pesado e com a resolução 'não ruidosa, mas profunda' de que tudo o que pudéssemos fazer no sentido da abolição ou da atenuação da escravatura seria considerado pouco", escreveu em seu livro Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse país: durante parte dos anos de 1821, 1822 e 1823 (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956).
As ilustrações deste portal fazem parte da primeira edição do livro, publicado na Inglaterra em 1824, e que integra o acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. A gravura acima, que retrata o mercado, foi feita a partir de um desenho cedido por seu amigo, o pintor inglês Augustus Earle (1793-1838), para essa edição. As outras gravuras deste artigo são de autoria de Maria Graham.
A artista depois seguiu com o marido para a Bahia e para o Rio de Janeiro. Em seu relato de viagem, em que dedicou quase cem páginas a uma introdução sobre a história do Brasil até a época em que chegou ao país, é nítido seu esforço em entender os acontecimentos e as forças políticas que estavam em jogo na colonização. Depois acompanhou os eventos que levaram à independência do país. "Quando Graham chega ao Brasil em 1821, não é familiarizada com a cultura do país, apesar de estar a par de sua situação política para alcançar a independência. Nesses primeiros nove meses em terras brasileiras, a viajante testemunhou os conflitos em Pernambuco e na Bahia contra os portugueses, tendo inclusive acompanhado de perto o estado de sítio de Olinda por conta do levante independentista na província e relata detalhadamente os eventos que culminaram no Dia do Fico, em janeiro de 1822, bem como as suas consequências que abalaram as relações entre Brasil e Portugal", escreveu a pesquisadora Júlia Braga Neves em seu artigo Uma segunda estrangeira: memórias de Lady Callcott (Maria Graham) sobre Dom Pedro I (Florianópolis: Revista Ilha do Desterro 74 (2), Maio-Agosto 2021).
Depois de permanecer no Rio de Janeiro por alguns meses, a escritora acompanhou o marido até o Chile, no mesmo navio, onde ele acabou morrendo de febre em abril de 1822. Maria permaneceu no Chile por 11 meses e depois viria a publicar também em 1824 seu Journal of a residence in Chile. De volta ao Brasil, a viúva residiu no Rio de Janeiro de março a dezembro de 1823 e nesse período passou a frequentar a corte, onde estabeleceu uma forte amizade com a imperatriz Leopoldina (1797-1826), que duraria até a morte precoce da última. As duas se tornam confidentes e Graham voltou para a Inglaterra para supervisionar a edição e publicação de seus diários e também reunir livros e material didático para o novo cargo que iria ocupar no Brasil: o de preceptora da princesa Maria da Glória (1819-1853), que depois se tornaria rainha de Portugal.
A experiência na corte não rendeu bons frutos a Graham que em menos de um mês foi expulsa do palácio devido a intrigas feitas pelas damas portuguesas e criados do Paço. Ainda assim, ela continuou no Rio de Janeiro por mais um ano. Nesse período, dedicou-se a fazer ilustrações botânicas e a recolher plantas que enviou para o Kew Royal Botanic Gardens, de Londres.
Em setembro de 1825, Maria Graham deixou definitivamente o Brasil e voltou para Londres, onde conheceu seu segundo marido, o pintor Augustus Wall Callcott (1779-1844), com quem se casou em 1827 e continuou a viajar pelo mundo até morrer de tuberculose em 1842.