Quando voltou para a França, após uma estadia de apenas dez semanas no Brasil, o frade franciscano André Thevet (1516-1592) levou com ele muitos presentes para seus “patrocinadores”. Entre esses estavam um manto tupinambá, confeccionado com plumas de pássaros, como aquele, levado por holandeses no século XVII e que retornou ao Brasil em julho deste ano, um maracá, chocalho usado em rituais que o frade furtou dos indígenas, e um chapéu de plumas de tucano oferecido ao rei Henrique II da França (1519-1559). “Composto de penas vermelhas, o manto tupinambá serviu tanto para assegurar a seus escritos mais autenticidade, quanto para prestar vassalagem à casa do Cardeal Sens (...) Enfim, os artefatos cumpriam essa dupla função, eram prova material de seus escritos e fonte de prestígio ao serem doados a um poderoso senhor”, escreveu o pesquisador Ronald José Raminelli em seu artigo Escritos, imagens e artefatos: ou a viagem de Thevet à França Antártica (Revista História, Unesp, São Paulo, 27(1), 2008).
Thevet veio ao Brasil em 1555 como capelão da expedição de Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1571), que trouxe cerca de 600 homens na tentativa de implantar aqui uma colônia francesa, em uma expedição que levou quase seis meses para chegar a seu destino e percorreu toda a costa da África. Thevet adoeceu logo quando chegou ao Rio de Janeiro e precisou retornar ao seu país, onde finalizou seu relato de viagem, com as anotações feitas por ele e a contribuição de outros relatos. A obra Les singularitez de la France Antarctique, publicada em 1557, com o apoio de Henrique II, foi a responsável por batizar a colônia francesa, a França Antártica, que durou poucos anos. Depois de muitas batalhas, em 1567, os franceses foram definitivamente expulsos pelos portugueses.
Como em outras obras desse período, Thevet relata as particularidades do clima, da vegetação, da fauna e dos habitantes da região, no caso, os tupinambás, que foram aliados dos franceses contra os portugueses. Antes dele, o aventureiro Hans Staden (c.1525-c.1576) já havia causado espanto na Europa com sua descrição dos hábitos da população nativa. Thevet, por falta de outras referências, interpreta os costumes dos tupinambás à luz dos escritos da antiguidade. Ele descreve os modos como os nativos se alimentam, curam as doenças, vivem o luto e enfrentam seus inimigos, tentando encontrar similaridades e sobretudo diferenças entre os que ele chama de “selvagens” e a civilização antiga.
As ilustrações da obra, feitas pelo gravador Jean Cousin (1500-c.1593) e outros artistas, pretendiam comprovar a pretensa veracidade das informações trazidas pelo autor, retratando sobretudo costumes, plantas e animais desconhecidos até então. O livro teve bastante repercussão e uma segunda edição, em 1558, da qual foram extraídas as imagens deste artigo que agora integram o acervo da Brasiliana Iconográfica, e uma tradução italiana, em 1561. Bem-sucedido em sua missão, Thevet conseguiu se tornar cosmógrafo do rei em 1560.
Mas a boa repercussão durou pouco. O cosmógrafo teve que enfrentar as críticas de outros escritores e viajantes, principalmente as do pastor Jean de Lery (1536-1613), que esteve no Brasil logo depois de Thevet e publicou, em 1578, seu diário de viagem, Histoire d’un voyage faict em la terre du Brésil. “Jean de Lery, que também esteve no Rio de Janeiro, considerou que Les Singularitez de la France Antarctique e La Cosmographie Universelle (1575) de Thevet estavam prenhes de mentiras, razão para ele contestá-las e escrever a sua própria versão dos fatos. O filósofo Michel de Montaigne duvidava da fidelidade da própria cosmografia, enquanto a erudição de Thevet seria questionada por Mathurin Héret e François Belleforest, dois de seus maiores colaboradores na produção de suas primeiras obras. Sua aliança inicial com os reformados e a traição desses princípios ao se vincular à liga católica contribuíram para que seus testemunhos caíssem em descrédito quase geral”, escreve Raminelli no artigo citado.