Até o final do século XVIII, havia poucas fábricas no Brasil. Com a chegada da Corte portuguesa, em 1808, começou a crescer o número desses estabelecimentos, muitos criados por iniciativa da própria corte, como a Fábrica de Pólvora da Estrela, no Rio de Janeiro. O governo português passou a dar liberdade e incentivo à produção de diversos produtos como sabão, chapéus, vela e graxa. Criou, em 1809, a Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Estado do Brasil e domínios Ultramarinos para controlar esses estabelecimentos e fez 77 registros até 1840. "Instalada junto às repartições públicas na colônia, seguia o modelo e estrutura originais de Portugal e esteve subordinada ao Ministério do Império até 1842. Composta por um presidente, deputados, um secretário, um juiz e um fiscal, a Junta tinha como funções efetuar matrículas de comerciantes, mestres, oficiais e marinheiros; conceder licenças para abrir loja de varejo e, no tocante às atividades industriais, examinar a concessão do título de 'fábricas nacionais' aos estabelecimentos particulares que o requisitassem. Os estabelecimentos do governo automaticamente já detinham o título", escreveu a historiadora Beatriz Piva Momesso, em sua tese Indústria e trabalho no século XIX: O Estabelecimento de Fundição e Máquinas de Ponta d'Areia (Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007).

Fabrica da Ponta D'Aréa

Entre as indústrias que vinham sendo criadas, tiveram destaque aquelas ligadas à fundição de metais, construção de navios e de máquinas para a agricultura e seus beneficiamentos, como os engenhos de açúcar e moagem de café, principais atividades desde a colônia. O Estabelecimento de Fundição e Máquinas da Ponta D'Areia, em Niterói, foi uma das maiores e mais bem-sucedidas fábricas desse tipo. Criada em 1844 pelo inglês Carlos Colemann, logo passou por dificuldades financeiras e foi vendida em 1846 para Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), o futuro barão e depois visconde de Mauá.

Na gravura acima, do pintor, desenhista e gravador holandês Pieter Godfried Bertichen (1796 -1866), publicada em 1856 no álbum O Brasil pitoresco e monumental - O Rio de Janeiro e seus Arrabaldes, podemos ver a fábrica que ocupava uma área extensa à beira mar, no pé do morro da Armação, e um pequeno barco com a bandeira do Império levando homens de fraque (provavelmente o proprietário é um deles).

Irineu Evangelista de Sousa investiu dinheiro e ampliou as instalações de sua fábrica, a ponto de rivalizar sua produção com a do Arsenal da Marinha, estabelecimento do governo (gravura abaixo). Para isso, contou com a ajuda de seus amigos do Partido Conservador que lhe deram empréstimos, subsídios e demais regalias para o negócio. No mesmo ano que adquiriu a fábrica, ele assinou com o Ministro do Império um contrato vantajoso de cinco anos de fornecimento de tubos para a canalização do rio Maracanã.

Arsenal da Marinha

"O governo imperial estabeleceu como critério básico, para a concessão de subvenções aos estabelecimentos manufatureiros, o emprego de trabalhadores livres (...). Ponta d’Areia não obedeceu a esse critério e em julho de 1848, verificamos a existência de 121 trabalhadores escravos nas diversas oficinas da Ponta d’Areia. Portanto, 24,6% da mão-de-obra da empresa estava constituída por escravos. Ponta d’Areia empregava fortemente o trabalho escravo e mesmo assim obteve o auxílio do Estado Imperial", escreveu a historiadora.

O futuro Visconde de Mauá fez como a maioria dos donos de fábricas daquele período e empregou, durante todo o período em que a Ponta D'Areia funcionou, homens escravizados, fossem de sua propriedade ou alugados, além de estrangeiros nos cargos mais elevados. E produziu muito durante esse período, como aponta a historiadora, "canos utilizados para as obras do Maracanã, Andaraí ou para a iluminação da cidade, rodas, rodetes, maçanetas, bombas, pitões, peças para guincho, volantes, colunas, eixos, válvulas e guindastes. Chama atenção a produção destinada ao Arsenal de Guerra em 1861: 9.324 libras de ferro e 1.440 libras de bronze em cinco morteiros, 241 lanças de aço batido, e 1.800 pratas para metralha. O balanço de 1861 enumera outras obras da oficina de fundição de menor magnitude: fornos, fogões, ornatos para túmulos, chapas de fogareiros, pesos para relógios e para balanças, mesas, molinetes, tornadores, despolpadores, portões, sacadas e peças necessárias para as máquinas novas ou para serem consertadas".

Em 1854, mesmo ano em que o empresário recebeu o título de Barão de Mauá, a Ponta D'Areia se transformou em uma sociedade anônima, empresa de capital aberto, uma novidade para a época, e continuou crescendo. Mas a partir de 1860, começaram a diminuir os benefícios dados às empresas: não só foi vetada a isenção de impostos na importação de produtos, como taxas adicionais passaram a ser cobradas sobre alguns insumos importados, entre eles, o ferro. Três anos depois, com dificuldades para pagar empréstimos feitos, Mauá tentou se livrar do estabelecimento, mas não conseguiu. A fábrica, que passou a funcionar apenas como oficina de consertos, fechou as portas em 1877, mas renasceu em 1905, quando suas instalações foram compradas pela Companhia Comércio e Navegação, e, depois de passar por diferentes donos, funciona até hoje com o nome de Estaleiro Mauá.