No centro do Rio de Janeiro, a Praça XV resume a história da formação do Brasil. Vestígios arqueológicos encontrados em 2008 onde havia a Antiga Sé, hoje igreja de Nossa Senhora do Carmo, comprovaram a existência de um assentamento tupinambá no local, em frente ao mar, que ficou conhecido como praia da Piaçaba, quando portugueses e franceses ali chegaram. Os primeiros frades carmelitas no Rio de Janeiro ocuparam, por volta de 1590, uma pequena capela, a ermida de Nossa Senhora do Ó, que já existia ali, no caminho entre os morros do Castelo e de São Bento. Nessa época, o local era chamado de Várzea de Nossa Senhora do Ó, e os frades transformaram a ermida em Capela da Ordem do Carmo. Ao lado dela, a partir de 1619, começaram a construir o seu convento.
Ali na praia, que passou a ser chamada de Praia do Peixe, desembarcaram grande parte dos africanos escravizados trazidos à cidade até 1770, quando foi construído o Cais do Valongo (mais ao norte do centro). Essa população de indígenas, africanos e europeus deu vida a essa região de várzea que, no século XVIII, se tornaria o centro do poder no Rio de Janeiro, com o governo e a igreja ali reunidos.
Em 1733, o governador Gomes Freire de Andrade pediu à coroa portuguesa permissão para construir ali uma casa de governo, que teve suas obras iniciadas em 1738 e concluídas cinco anos depois. O prédio, o primeiro a ter vidros nas janelas, foi projetado pelo engenheiro militar português José Fernandes Pinto Alpoim (1700-1765), que também construiu no local uma fonte, em 1747. A edificação foi por vinte anos o Palácio dos Governadores e, em 1763, quando a sede do Vice-Reino do Brasil se mudou de Salvador para o Rio de Janeiro, passou a ser chamado de Paço dos Vice-Reis. Na mesma época, em 1761, os carmelitas reconstruíram a capela que passou a ser a Igreja de Nossa Senhora da Carmo da Antiga Sé e, ao lado dela, entre 1755 e 1770, construíram outra, chamada de Igreja da Ordem Terceira do Carmo. Nesse meio tempo, a várzea do Ó recebeu diferentes nomes como Terreiro da Polé, Terreiro do Carmo e Largo do Paço. Na pintura acima, do austríaco Franz Joseph Frühbeck (1795-?), que veio ao Brasil em 1817, no mesmo navio da princesa Leopoldina (1797-1826), vemos em primeiro plano o edifício, já então chamado de Paço Real, desde a chegada da corte portuguesa, em 1808, com o convento e as igrejas ao fundo.
Em 1789, a fonte de Alpoim foi substituída pelo chafariz do Mestre Valentim (c.1745-1813), escultor, entalhador, arquiteto e urbanista negro, nascido em Minas Gerais, responsável pelo primeiro projeto do Passeio Público e por diversos ornamentos de igrejas cariocas. O chafariz, que resiste até hoje no centro da Praça XV, ficava na beira do mar, como se pode ver na gravura acima, do francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), e abastecia, com a água vinda do rio Carioca, tanto a população que vivia no entorno como os navios que ali atracavam.
Nesta outra gravura acima, com o chafariz ao fundo, chamada Os refrescos após o jantar no Largo do Palácio, Debret nos dá a dimensão de como essa área era também importante para a convivência da cidade: "É, por conseguinte, lá pelas quatro horas da tarde que se podem ver esses homens de pequenas rendas chegar de todas as ruas adjacentes ao largo do Palácio, a fim de sentarem nos parapeitos do cais, onde têm por costume de vir sentar à fresca até a Ave Maria. Em menos de meia hora todos os lugares estão tomados e, após as cortesias em uso entre gente que não tem o que fazer, cada um chama um vendedor de doces, menos para comprar uma guloseima do que para engolir de um trago a metade da água que o negro carrega à mão e que constitui um remédio indispensável para a sede ardente provocada pela digestão de um jantar apimentado de acordo com o antigo código da cozinha brasileira" (Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016).
O Largo do Paço foi cenário de todos os eventos históricos que reuniram a população no período, como o funeral de D. Maria I, em 1816, as aclamações de D. Pedro I (1798-1834) e D. Pedro II (1825-1891), na gravura acima, e as comemorações pela assinatura da Lei Áurea, em 1888. O mar, que chegava até as escadarias do chafariz, foi se afastando com os sucessivos aterros na região, feitos na segunda metade do século XIX e início do XX. O Largo do Palácio ou Paço se chamou ainda Praça Dom Pedro II, a partir de 1870, mas logo em 1889, com a proclamação da República, passou a ser a Praça XV de Novembro, que mantém até hoje suas principais edificações, como o chafariz, o Paço e o convento (hoje centros culturais), e as igrejas, destacadas na gravura abaixo, de 1860, do pintor alemão Carlos Linde (c.1830-1873).