As instituições militares brasileiras foram resistentes à presença de homens não brancos em suas frentes, mas seja pela necessidade, por interesse ou de maneira forçada, eles tiveram papel decisivo em diversas batalhas. Ainda no século XVII, os terços (batalhões) de homens negros ajudaram nas lutas contra os holandeses no Nordeste e depois se espalharam por todo o território. Henrique Dias (?-1662), militar nascido no Brasil e filho de escravizados libertos, ganhou o título de Governador dos Crioulos, Negros e Mulatos, por sua atuação na Batalha de Guararapes (1648-1649), quando lutou pela Coroa portuguesa em Pernambuco. A partir dessa experiência, outros regimentos de milícias, como eram chamadas essas tropas, foram criados de maneira paralela ao exército oficial em diferentes províncias, como a Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e tiveram grande presença nas guerras que viriam a seguir.
Também os indígenas foram usados pelos portugueses em postos militares instalados perto de rios e florestas para combater seus inimigos, que em geral eram outros povos originários que resistiam à colonização. Na gravura acima, do francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), vemos indígenas chamados por ele de "civilizados" em combate com outros, chamados de "selvagens", na região de Mogi das Cruzes, em São Paulo. Os povos originários também acabaram sendo assimilados em diversas tropas brasileiras.
Sem querer alistar oficialmente homens negros e com uma população branca reduzida e, em sua maioria, empregada em serviços burocráticos, a Coroa mandou vir de Portugal tropas para combater no Brasil, como a Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, que desembarcou no Brasil em 30 de março de 1816 para lutar pela anexação do território do Uruguai (então chamado de Província Cisplatina) ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Essa é a tropa que aparece na pintura de Debret (acima).
Na guerra pela independência do Brasil já não era possível convocar batalhões portugueses, então D. Pedro I (1798-1834) recorreu a soldados mercenários da Europa, mas também à população disponível. "A necessidade de mão-de-obra militar levou os patriotas a abandonarem a exclusão de não brancos das forças armadas regulares (o exército), vigente na época colonial, e contribuiu à fácil aceitação de trabalhadores escravos em funções militares auxiliares. A consequente proximidade de escravos e soldados levou inexoravelmente ao recrutamento de alguns escravos sob pretexto de serem livres", escreveu o historiador Hendrik Kraay, em seu artigo "'Em outra coisa não falavam os pardos, cabras, e crioulos': o 'recrutamento' de escravos na guerra da Independência na Bahia" (Revista Brasileira de História, 22, Associação Nacional de História, São Paulo, 2002).
Os escravizados lutaram pela independência do Brasil motivados, sobretudo, pela possibilidade de conseguir sua liberdade, o que não aconteceu com a frequência desejada. Os regimentos de Henriques apoiaram D. Pedro I quando proclamou a independência e o novo imperador os nomeou Batalhão dos Henriques da Corte. Na Bahia, "milhares de cativos foram recrutados pelo exército e pela marinha durante a Guerra da Independência. Marinheiros negros escravizados foram fundamentais no bloqueio naval que privou as tropas portuguesas em Salvador do fornecimento de comida produzida no Recôncavo Baiano. Muitos pegaram em armas para defender a causa brasileira esperando que, em troca, teriam a liberdade", escreveu o jornalista Laurentino Gomes em seu livro Escravidão, vol. III, Da Independência do Brasil à Lei Áurea (Rio de Janeiro, Globo Livros, 2022).
Passada a luta pela Independência, diversos conflitos se espalharam pelo Brasil questionando a autoridade da monarquia. Depois da abdicação de D. Pedro I, em 1831, foi criada a Guarda Nacional para manter a ordem pública que ficou ainda mais abalada e, em caso de necessidade, auxiliar o exército que, a essa altura, era formado basicamente por negros, pardos e pobres, comandados por brancos estrangeiros. Para garantir a segurança do Império e seus financiadores, a Guarda Nacional aceitava apenas cidadãos eleitores e seus filhos, que tivessem uma renda significativa comprovada, excluindo assim todas as pessoas de origem popular. Nas gravuras acima e abaixo, do brasileiro Joaquim Lopes de Barros Cabral Teive (1816-1863), podemos ver os jovens brancos da Guarda Nacional.
Anos mais tarde, a Guerra do Paraguai (1864-1870) levou à convocação forçada de milhares de negros, libertos ou não, pardos, indígenas e quem mais estivesse desprotegido das verdadeiras caçadas humanas feitas pelos recrutadores. "Soldados negros, ex-escravos ou não, lutaram em pelo menos três dos quatro exércitos dos países envolvidos. Os exércitos paraguaio, brasileiro e uruguaio tinham batalhões formados exclusivamente por negros. Como exemplos temos o Corpo dos Zuavos da Bahia e o batalhão uruguaio Florida. Escravos propriamente ditos, engajados como soldados, lutaram comprovadamente nos exércitos paraguaio e brasileiro", escreveu o pesquisador André Amaral de Toral em seu artigo "Guerra do Paraguai: história e polêmica - A participação dos negros na Guerra do Paraguai" (Estudos Avançados 9 (24), Instituto de Estudos Avançados da USP, São Paulo, 1995). No desenho abaixo, do italiano Edoardo de Martino (1838-1912), uma cena dessa guerra.
Até hoje, o exército brasileiro espelha as desigualdades: apesar do grande contingente de negros e pardos em sua base, desde sua fundação, em 1822, a instituição teve apenas 11 generais negros.