Uma das maneiras de pesquisar conteúdo no acervo da Brasiliana Iconográfica é por meio da busca por assunto. Arquitetura, cenas de costume, festejo e escravidão são alguns dos temas que podem ser pesquisados. Neste artigo, selecionamos obras encontradas pela busca na categoria comércio ambulante. A atividade, presente nas cidades brasileiras desde os tempos coloniais, atravessou todos os ciclos econômicos e tornou-se uma prática enraizada no cotidiano urbano até hoje.
O comércio ambulante intensificou-se no Brasil após a chegada da família real, em 1808. Era praticado por negros escravizados, na maioria mulheres, que, muitas vezes, carregavam seus filhos amarrados em panos nas costas.
Nas cidades, ter um escravo não era exclusividade dos mais abastados. Mesmo negros alforriados compravam outros cativos como serviçais. Colocá-los na rua como vendedores ambulantes e prestadores de serviços era garantia de lucro. Além disso, esses negros liberavam os proprietários do trabalho manual, que não era bem aceito. Assim, ruas eram tomadas pelos chamados negros de ganho. Eram tão numerosos que a prática foi regulamentada pelo Senado da Câmara. Esses escravizados urbanos viviam um simulacro de liberdade, situação diferente da dos cativos rurais. Passavam grande parte do tempo pelas ruas e praças, vendendo seus produtos ou serviços, e só voltavam à residência do senhor para dormir (quando não moravam fora dela). Depois de finalizarem o trabalho do dia, tinham a obrigação de entregar determinada quantia de dinheiro a seus senhores.
Os negros de ganho ofereciam uma variedade de produtos – doces, bolos, angu, cestos, milho, frutas, capim, sapé, aves, carvão – e de serviços – eram pintores, pedreiros, carpinteiros, alfaiates, ferreiros, costureiros, carroceiros, barbeiros, sapateiros e mensageiros. Por meio dessas atividades, alguns cativos conseguiam poupar dinheiro para comprar a liberdade, pois uma lei determinava o direito ao pecúlio, ou seja, de acumular bens.
Nas regiões de mineração, as negras quitandeiras eram fundamentais para a formação dos quilombos, pois recolhiam em suas casas os escravos fugidos e levavam-nos para os refúgios. Durante o ciclo do ouro e nas zonas portuárias, também houve registros de negras ambulantes que se prostituíam.
Obras de artistas como Jean-Baptiste Debret (1768-1848), pintor e desenhista francês que viveu no Brasil entre 1816 e 1831, ajudam-nos a reconstituir esse tipo de atividade no Brasil do início do século XIX. Seus trabalhos apresentam escravos em suas tarefas, como o comércio ambulante, detalhando a paisagem, as atividades desenvolvidas e sua importância na sociedade da época. No livro Voyage Pittoresque et Historique au Brésil [Viagem pitoresca e histórica ao Brasil], publicado entre 1834 e 1839 na França, ele reuniu muitos desses registros que hoje integram o acervo deste portal.
Outro artista preocupado em construir tipos e caracterizar a população local e suas atividades, incluindo o comércio ambulante, foi Johann Moritz Rugendas (1802-1858). Pintor, desenhista e gravador alemão, veio ao Brasil em 1821, para documentar a Expedição Langsdorff.
Dois séculos se passaram e ainda vemos o comércio de rua ambulante cumprindo seu papel no mercado de trabalho, tanto nas cidades brasileiras como nas de países mais ricos como os da Europa. Apesar de antiga, a atividade não costuma ser considerada, por exemplo, em planejamentos urbanos e na ocupação dos espaços públicos. Desde sempre, vendedores ambulantes desafiam as autoridades e escapam do controle estabelecido por não terem, até hoje, regulamentação definitiva.