Já contamos sobre a chegada de d. Leopoldina ao Brasil, em 1817 (leia aqui), quando a então arquiduquesa austríaca desembarcou no Rio de Janeiro acompanhada pela Missão Austríaca, para se encontrar com o marido d. Pedro, com quem tinha se casado por procuração. Mas o papel de Leopoldina na história do Brasil não se resume ao cargo de primeira imperatriz brasileira ou esposa de d. Pedro. Ela participou ativamente de momentos decisivos da política nacional que, inclusive, levaram à Independência. No âmbito cultural e científico, apoiou e atuou na criação de instituições brasileiras e na coleção que até alguns dias atrás integrava o acervo do Museu Nacional, destruído por um incêndio.
Em 1821, depois da Revolução Liberal do Porto, d. João VI foi obrigado a voltar para seu país e retomar seu posto. Mas a família real não voltou completa; d. Pedro ficou no Brasil como príncipe regente. Como essa atitude não era a esperada pelo parlamento português – que tinha o objetivo de retomar o controle do Brasil e torná-lo de novo uma colônia –, as cortes exigiram o retorno do príncipe e sua família e publicaram uma série de decretos que limitavam a soberania brasileira. Leopoldina posicionou-se contra a volta para Portugal e influenciou a decisão de seu marido em não obedecer às ordens lusitanas, o que resultou no Fico.
Esse envolvimento da princesa tinha raízes na sua educação. Segundo seu biógrafo Paulo Rezzutti, Leopoldina foi criada para governar. Integrante da poderosa família austríaca Habsburgo, ela falava muitos idiomas, estudou política, tinha noções de governo, boa formação científica e cultural. Aqui no Brasil, estudou a fauna e a flora locais, recebeu naturalistas estrangeiros, reorganizou e ordenou as coleções da Casa de História Natural – ou Casa dos Pássaros, como era conhecida –, cujo acervo deu origem ao Museu Nacional.
Politicamente, mantinha contato com grupos que defendiam a emancipação política do país e tornou-se ativa no movimento de Independência antes de seu marido. Depois do Fico, foi ela quem deu a José Bonifácio, um dos líderes do governo paulista, a notícia de que ele seria Ministro do novo governo.
Em agosto de 1822, pouco antes do rompimento do Brasil com Portugal, ela escreveu para a irmã Maria Luisa: “O Brasil é grande demais, poderoso e, conhecendo sua força política, incapaz de ser colônia de uma corte pequena, por isso custará muitas lutas duras e sangrentas (...)”.
A decisão de ficar no Brasil custou a d. Pedro mais ataques à liberdade brasileira. Em resposta, o príncipe assinou, em agosto, o Manifesto às Nações Amigas, que denunciava o autoritarismo das cortes de Lisboa. Acredita-se que Leopoldina tenha sido uma das pessoas a redigir o documento, junto com d. Pedro e outros conselheiros, como José Bonifácio.
Ainda em agosto, Leopoldina foi nomeada chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente Interina do Brasil por d. Pedro, que viajou a São Paulo para apaziguar uma crise política. Sob a condição de primeira mulher a governar o Brasil, recebeu a notícia de que a Assembleia portuguesa tinha anulado todos os atos de d. Pedro como regente, determinado o retorno imediato dos príncipes para a Europa e decretado a prisão de alguns ministros, incluindo José Bonifácio. Diante da situação, reuniu o conselho para discutir as determinações portuguesas, e posicionou-se favorável, assim como os outros conselheiros, à separação de Portugal. Com o apoio de Bonifácio, que também escreveu para d. Pedro, encaminhou o decreto de Independência para ser assinado pelo príncipe e relatou a ele: “As cortes portuguesas ordenam a vossa partida imediata, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho do Estado aconselha-vos a ficar. Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças se partirmos agora para Lisboa. (...) O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação”.
O desfecho da história é bem famoso. “O grito do Ipiranga”, como ficou conhecida a proclamação da Independência por d. Pedro no dia 7 de setembro de 1822, ganhou muitos registros iconográficos, transformando o ato do príncipe em cena heróica. Já a atuação de Leopoldina como chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente não ganhou tanto destaque. Apenas cem anos depois, a pintora Georgina de Albuquerque registrou Leopoldina em meio ao Conselho, ouvindo as proposições dos participantes momentos antes de enviar as cartas ao marido. A imagem, que desafia a representação da proclamação da Independência, é a única que revela o papel de Leopoldina neste momento histórico.
A aclamação de d. Pedro como imperador do Brasil foi realizada cerca de um mês depois da proclamação da Independência, no Campo de Santana. Depois do evento, o local passou a se chamar Praça da Aclamação e, em 1889, foi renomeado como Praça da República, como é conhecido até hoje no Rio de Janeiro.
Na imagem acima, de Jean-Baptiste Debret, Leopoldina aparece ao lado do marido na cerimônia de aclamação. Já na coroação do novo imperador em dezembro do mesmo ano, também de autoria de Debret, a imperatriz posiciona-se de frente para d. Pedro e o casal aparece em pé de igualdade.
A atuação de Leopoldina na política brasileira diminuiu à medida que sua cumplicidade com d. Pedro I perdeu a força. Um dos motivos teria sido a relação extraconjugal do imperador com Domitila de Castro. Mergulhada em uma depressão profunda e colocada à parte dos assuntos relacionados ao governo brasileiro, a imperatriz morreu em 1826, depois de sofrer um aborto.
Todas as imagens publicadas ao longo deste artigo são do francês Jean-Baptiste Debret. Desde que chegou ao Rio de Janeiro, em 1816, integrando a Missão Francesa, o pintor realizou trabalhos para a corte, seja na decoração pública para a chegada de Leopoldina e para a aclamação de d. João VI, seja na instalação de monumentos na cidade. Depois da Independência, Debret foi nomeado pintor particular da Casa Imperial e produziu registros oficiais de cerimônias e retratos imperiais. A relação de Debret com os governos brasileiros será detalhada em outro artigo.