Entre as centenas de artistas que compõem a coleção da Brasiliana Iconográfica, apenas uma é mulher. A inglesa Marguerite Tollemache é autora do álbum Drawings of Rio de Janeiro [Desenhos do Rio de Janeiro], com 40 registros sobre o Brasil feitos em carvão, grafite e guache.
Pouco se sabe sobre a vinda de Tollemache ao país. Boa parte das informações biográficas aqui reunidas foram recentemente publicadas em um artigo escrito pela jornalista Mànya Millen para o site do Instituto Moreira Salles, que conserva as obras da artista. Sabe-se que ela esteve no Rio de Janeiro entre 1853 e 1855, acompanhando o marido William Augustus Tollemache, possivelmente numa missão diplomática ligada à implantação de ferrovias. O casal também visitou Petrópolis, onde ficou hospedado numa casa à qual a artista inglesa chamou de “The Spot” em seus registros.
As cenas domésticas presentes em alguns desenhos de Tollemache diferenciam-se da maior parte dos trabalhos de outros artistas viajantes, que priorizavam temas como fauna, flora, escravidão e o cotidiano rural e urbano. Não que ela não tenha produzido paisagens ou vistas. Esses tipos de registros são, inclusive, maioria dentro do álbum. Mas o caráter pessoal de alguns de seus desenhos chama a atenção e diferencia sua produção da de outros viajantes da época. Ela certamente não estava no Brasil para desenhar profissionalmente. Era uma artista amadora e tinha vindo ao país como acompanhante do marido. Provavelmente, nem tinha intenção de publicar seus desenhos, o que confere à sua obra um tom de memória pessoal.
O fato de ser uma artista amadora significa apenas que ela provavelmente foi treinada no desenho e uso da aquarela por algum professor particular. Naquele período, as mulheres tinham acesso restrito ao ensino profissional das artes. No Brasil, por exemplo, a admissão de mulheres na Escola Nacional de Belas Artes aconteceu apenas em 1892. Curiosamente, um dos desenhos de Tollemache serviu de referência para a realização do panorama Rio de Janeiro. O editor responsável foi o inglês Paul Gauci, muito prestigiado e concorrido na época.
Também são escassos os detalhes sobre sua formação e trajetória artísticas. Sabe-se que ela tinha interesse em arte, que era culta e muito religiosa. Como escritora, publicou quatro livros: Spanish Towns and Spanish Pictures [Cidades Espanholas e Retratos Espanhóis], de 1870, sobre sua passagem pela Espanha; e três com temas religiosos, Many Voices [Muitas Vozes], de 1883; Spanish Mystics [Místicos Espanhóis], de 1886; e French Jansenists [Jansenistas Franceses], de 1893.
Tollemache morreu em Londres em 1896, aos 78 anos. Não foi a única artista mulher viajante a visitar o Brasil. Ainda que em número bem menor do que o dos homens, outras mulheres cruzaram o oceano em viagens longas – enfrentando precárias condições nos navios e uma tripulação de marinheiros pouco receptiva à presença feminina – e registraram suas impressões em imagens ou textos. São mulheres que, mesmo viajando na condição de acompanhantes de seus familiares, romperam padrões de época por registrarem suas impressões e torná-las públicas muitas vezes.
As viajantes eram mulheres que tinham tido acesso a uma boa educação. Segundo a historiadora Miriam Lifchitz Moreira Leite, no texto Mulheres viajantes no século XIX, publicado nos Cadernos Pagu: “muitas delas viviam em ambientes de grande valorização do conhecimento científico e artístico, com contatos pessoais com Charles Darwin, como no caso de Marianne North”. Também inglesa, North visitou o Brasil entre 1872 e 1873, tendo percorrido outras partes do mundo e tornando-se uma das mais famosas viajantes de sua época. Ela depositou no Real Jardim Botânico de Kew, em Londres, centenas de registros de flores tropicais que fez em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.
A dificuldade em encontrar mulheres na lista dos viajantes é acentuada pelo fato de muitas vezes os trabalhos serem assinados somente pelos sobrenomes dos maridos, o que dificulta determinar quem são os reais autores dos registros. No caso do casal Agassiz, o livro A Journey to Brazil [Viagem ao Brasil] – relato da expedição feita do Rio de Janeiro ao Amazonas, entre 1865 e 1866 – é assinado tanto pelo zoólogo suíço Louis Agassiz, como pela esposa, a americana Elizabeth Cary Agassiz. Porém, por muito tempo, a publicação foi referida como sendo apenas do zoólogo, ainda que Elizabeth seja uma pesquisadora reconhecida e tenha participado da expedição e seja também autora do livro (nas primeiras edições ela foi identificada apenas como senhora Agassiz).
Ao contrário de grande parte das artistas viajantes do século XIX, a inglesa Maria Graham teve seu trabalho bastante reconhecido. Ela é autora de um dos relatos mais célebres sobre o nosso país: Journal of a Voyage to Brazil and Residence there During Years 1821, 1822, 1823 [Diário de uma Viagem ao Brasil e de uma Estada Nesse País Durante os Anos de 1821, 1822 e 1823], publicado em 1824, quando Graham já tinha se consolidado como escritora de livros de viagem. Na publicação, ilustrada com gravuras realizadas com base em obras de sua autoria e também do pintor Augustus Earle, Maria Graham descreve as três vezes em que esteve no Brasil. A artista, que estudou pintura com o inglês William Alfred Delamotte e com Joshua Reynolds, fundador da Royal Academy, esteve no Brasil pela primeira vez em 1821, a caminho do Chile, no navio comandado por seu marido, o capitão da Marinha Real Inglesa Thomas Graham, e passou por Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Depois da morte do marido, em 1822, viveu no Rio de Janeiro até 1823, quando, voltou para a Inglaterra e deu continuidade a seus estudos. No mesmo ano, voltou ao Rio de Janeiro para ser professora da princesa d. Maria da Glória, filha de d. Pedro I e de d. Leopoldina.