“Após dois meses de travessia, percorrendo pela primeira vez as ruas do Rio de Janeiro, obstruídas por uma turba agitada de negros carregadores e de negras vendedoras de frutas, sentimo-nos, nós franceses, estranhamente impressionados com o fato de não ver nenhuma senhora, nem nos balcões nem nos passeios. Tivemos, entretanto, que nos resignar e esperar até o dia seguinte, dia de festa, para observar inúmeras nas igrejas.” Assim Jean-Baptiste Debret (1768-1848) inicia a descrição da litografia Un Employé du Gouvernt Sortant de Chez Lui avec sa Famille [Um funcionário do governo a passeio com sua família, abaixo], em seu livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, publicado na França entre 1834 e 1839. Debret chegou ao Brasil em 1816 integrando a comitiva de franceses que viria a criar a Academia Imperial de Belas Artes. Além desse trabalho, dedicou-se a registrar a vida cotidiana no Brasil em cerca de 500 aquarelas e desenhos que levou consigo de volta a Paris, em 1831.
Impressão semelhante teve Edouard Manet (1832-1883), o conhecido pintor francês que passou alguns meses no Rio de Janeiro como marinheiro-aprendiz num navio-escola. Em 1848, ele escreveu, em carta destinada a sua mãe: “Para um europeu com um mínimo de senso artístico, o Rio de Janeiro tem um aspecto bastante peculiar. Pelas ruas veem-se somente negros e negras, pois os brasileiros saem pouco, e as brasileiras, menos ainda. As mulheres podem ser vistas somente quando vão à missa ou depois do jantar, ao entardecer, quando aparecem em suas janelas. Nessas ocasiões, é possível olhá-las sem nenhum impedimento. Durante o dia, ao contrário, se por acaso alguma delas é avistada na janela e percebe que está sendo observada, imediatamente se retira.” (In: MANET, Edouard. Viagem ao Rio: Cartas da Juventude – 1848-1849. Editora José Olympio, 2002.)
Manet, pelo menos, via as mulheres nas janelas. Debret, nem isso. Foi a partir da segunda metade do século XIX que as brasileiras brancas passaram a ter um pouco mais de liberdade para sair às ruas e passar a frequentar lojas, cafés e espetáculos teatrais. Até então, elas permaneciam quase todo o tempo dentro de casa, e suas poucas saídas, sempre acompanhadas, eram limitadas à igreja. Não é surpreendente, portanto, que essa mesma cena seja recorrente em diversos álbuns de viajantes durante toda a primeira metade do século XIX. É o caso, por exemplo, de Famille Allant à la Messe [Família indo à missa, abaixo], de 1846, reproduzida por Lesueur (1768-1848).
Esses passeios à igreja foram também notados por outros artistas que se dedicaram a representar o Brasil no século XIX. Como o inglês Henry Chamberlain (1796-1844), que fez o desenho abaixo, entre 1819 e 1822, com base nas pequenas aquarelas do militar e artista português Joaquim Cândido Guillobel (1787-1859), que também inspirou trabalhos de Debret.
E o pintor carioca Joaquim Lopes de Barros Cabral Teive (1816-1863), que foi aluno de Debret, nas litografias Moça da Roça Indo à Missa e Família Indo à Missa, as duas de 1841 (abaixo).
Alguns anos mais tarde, em 1844, quando esteve no Brasil, seria a vez do artista alemão Eduard Hildebrandt (1818-1869) retratar o passeio recorrente das brasileiras. Outras duas gravuras de sua autoria podem ser observadas: A Family Going to Mass e Going to Mass [Cadeirinha], ambas do álbum The Brazilian Souvenir: a Selection of the Most Peculiar Costumes of the Brazils.
A senhora retratada por Hildebrandt, que vai à missa na cadeirinha, provavelmente teve inspiração na gravura Une Dame Portée en Cadeirinha, Allant à la Messe [Mulher levada na cadeirinha, indo à missa], de 1835, de Debret. Como era costume, muitas cenas e personagens se repetiam nas obras de diferentes artistas dessa época. Sobre sua gravura, Debret escreveu no Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil: “A cadeirinha do Rio de Janeiro, aqui representada, pertence a uma pessoa rica e de boa sociedade que se faz conduzir por escravos de libré. (...) A mulher honesta, ao contrário, conserva fechadas as cortinas, reservando-se a possibilidade de mostrar-se entreabrindo-as com as mãos. (...) A cadeirinha, como o balcão, é um palco de faceirice”. Pois parece que as damas brasileiras em suas cadeirinhas se mostravam faceiras, pelo menos na interpretação desses artistas.