As ilustrações que a partir de agora integram a Brasiliana Iconográfica, tiradas da primeira edição do relato do aventureiro alemão Hans Staden (c.1525-1576), feita na Alemanha em 1557, foram algumas das primeiras imagens dos povos originários do Brasil a que os europeus tiveram acesso. Staden viajou ao Brasil duas vezes seguidas, entre 1547 e 1554, e contou em detalhes suas peripécias em sua obra, de título longuíssimo, A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de homens, encontrados no Novo Mundo, a América (Warhaftig Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden, Nacketen, Grimmigen Menschfresser Leuthen, in der Newenwelt America gelegen), que acabou conhecida como Duas Viagens ao Brasil. As viagens de Staden ganharam várias edições alemãs e traduções em latim e flamengo ainda no século XVI. E se tornaram tão populares ao longo dos séculos que inspiraram Monteiro Lobato (1882-1948) no livro infantil Aventuras de Hans Staden (1927), o modernista Oswald de Andrade (1890-1954) em seu Manifesto Antropófago (1928) e dois filmes: uma releitura livre de Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), Como era Gostoso meu Francês (1971), e uma outra mais fiel à obra, Hans Staden (1999), de Luís Alberto Pereira (1951).
O relato de Staden é dividido em duas partes. Na primeira, ao longo de 53 capítulos, o alemão conta em detalhes os percursos que fez da Europa até o Brasil, por duas vezes, e como, após um naufrágio perto de São Vicente, acabou trabalhando para os portugueses no forte de Bertioga, sendo depois capturado pelos tupinambás, com quem passou nove meses, e depois foi solto. Se a primeira parte pode ser resumida como uma aventura, a segunda, com 38 capítulos, dedica-se a uma análise mais enciclopédica desse povo originário, seus hábitos e costumes bastante desconhecidos então. As 55 ilustrações do livro desde a sua primeira edição, do acervo da Biblioteca Guita e José Mindlin da Universidade de São Paulo (USP), são de autoria desconhecida. São xilogravuras (técnica de entalhe na madeira que cria uma espécie de carimbo para reproduzir a imagem em papel) sem legendas que reproduzem muitos episódios narrados por Staden. Acredita-se que o desenhista teve a orientação do aventureiro alemão na execução das gravuras. Nelas, não há o uso da perspectiva e nem o preenchimento das imagens, o que dá a sensação de que homens, barcos ou animais podem ter todos o mesmo tamanho (abaixo).
Segundo o brasilianista alemão Franz Obermeier, "nem os desenhistas nem os gravadores em madeira de Staden são conhecidos, tampouco seus locais de trabalho. (…) Pode-se supor que os desenhos remontem aos próprios esboços de Staden. Em vista do primitivismo das gravuras, mesmo para a evolução artística da época, pode-se pensar em um estúdio que talvez fosse antes especializado na gravação de selos. É sabido, porém, que as ilustrações na primeira edição de 1557 foram empregadas com o conhecimento e aprovação de Staden, visto que ele se refere a elas no texto repetidas vezes (...). Além disso, as ilustrações contêm, além de diversos delineamentos costeiros corretos, alguns detalhes etnológicos precisos, que não são mencionados no texto expressis verbis e que por essa razão devem ter se originado de informações diretas de Staden ao gravador, como, por exemplo, a primeira representação do ato de fumar na arte europeia." (In: introdução de Warhaftige Historia: Zwei Reisen nach Brasilien (1548-1555). Historia de duas viagens ao Brasil. Kritische Ausgabe. Ed. crítica: Franz Obermeier. Trad. Guiomar Carvalho Franco. Kiel: Westensee-Verlag, 2007). A imagem dos indígenas fumando (abaixo) é a que Obermeier se refere.
Em uma época em que nem os portugueses tinham muito conhecimento sobre as terras que tentavam dominar do lado de cá do Atlântico, o relato ilustrado e tão detalhado feito por Hans Staden conquistou rapidamente a Europa e definiu durante muito tempo a maneira como os povos originários do Brasil foram percebidos. O cristão protestante Staden dedica grande parte de seu texto ao medo de ser devorado pelos tupinambás e às suas preces por uma intervenção divina. Na verdade, foram os franceses que pagaram um resgate para levar o alemão de volta à Europa. A ilustração feita como um carrossel de imagens que mostra toda a comunidade envolvida no ritual antropofágico de um indígena da etnia inimiga carijó ao mesmo tempo aterrorizava e encantava o europeu.
As ilustrações que acompanham o texto servem também para dar veracidade ao relato ou mostrar a "realidade" aos europeus. Consciente do caráter inusitado de sua aventura, além das ilustrações, Staden encomendou ao Dr. Dryander, um reconhecido professor de medicina da Universidade de Marburg, o prefácio do livro, em que o médico reiterou por diversas vezes o aspecto verídico da obra.