As quitandeiras chamaram a atenção dos artistas viajantes que passaram pelo Brasil nos séculos XVIII e XIX e neste artigo é possível apreciar imagens feitas por vários deles. Elas estavam nas ruas das principais cidades, em barracas ou carregando tabuleiros, garantindo a alimentação de toda a população, vendendo frutas, legumes, verduras, peixes, ovos, temperos, e também comidas prontas como bolos, broas, biscoitos, angu e sucos.
Essas mulheres, escravizadas ou libertas, encontraram nessa atividade, já conhecida em seus países de origem, uma oportunidade para garantir a sua subsistência, juntar algum dinheiro e comprar a própria alforria e de seus familiares. Isso muito antes de a palavra "empreendedorismo" existir ou do neoliberalismo dar as caras no mundo.
Segundo o historiador Luiz Roberto de Barros Mott, em seu artigo "Subsídios à história do pequeno comércio no Brasil" (Revista de História, vol. 53, n.105, 1976), havia dois tipos de comércio no Brasil colonial, "de um lado, o comércio estabelecido das lojas dos mercadores, de outro, a venda ao ar livre na praça. Os primeiros manipulando mercadorias importadas, coisas mais caras e nobres, o segundo, especializando-se nos frutos da terra. Subsidiário a este, havia ainda o comércio ambulante das chamadas 'negras de tabuleiro", referidas desde 1591 e que ocuparão no século XVIII, lugar de destaque na vida das cidades e vilas coloniais. Pelo visto, esta divisão étnica entre comércio estabelecido, privilégio dos portugueses e luso-brasileiros e o comércio ambulante, manipulado por gentes de cor, foi um padrão que se desenvolveu nas cidades de norte a sul do país".
A palavra "quitanda" vem de "kitanda", de origem quimbundu, mas utilizada também pelos povos de língua bantu na África, que significa mercado ou feira. No Brasil, na maioria das cidades, quitanda passou a significar uma pequena loja de gêneros alimentícios, e em Minas Gerais, esteve associada à pastelaria caseira, na produção de alimentos como bolos, broas, roscas e biscoitos, que acompanham o café ou são consumidos na hora do lanche.
As quitandeiras no Brasil se espalharam por todo o território e tiveram muita importância em Minas Gerais no século XVIII, quando a corrida pelo ouro prejudicava o plantio e abastecimento de alimentos naquela região. Eram elas que levavam até as minas a comida dos escravizados e feitores que trabalhavam ali. Em Minas, como no resto do Brasil, as quitandeiras enfrentaram a desconfiança das autoridades, que as julgavam suspeitas de contrabando de ouro e pedras preciosas ou de acobertar escravos fugidos, mas como eram necessárias não foi possível expulsá-las dali. Na Bahia, as quitandeiras também enfrentaram resistência das autoridades, principalmente depois da revolta dos Malês, em 1835, quando foram acusadas de passar mensagens, fornecer comida e esconder os escravizados revoltosos. Luiza Mahin, a mãe do poeta e advogado Luiz Gama, foi uma dessas quitandeiras perseguidas na Bahia.
No Rio de Janeiro, as quitandeiras tiveram que resistir às ondas de modernização da cidade que as acusavam de perturbar a ordem, de falta de higiene e de atravancar a passagem. "Vale lembrar que no final do século XVIII as quitandeiras representavam a atividade comercial mais expressiva da capital. Entre todos os ramos de mercancia existentes no período, as 'barracas de quitandeiras' e 'vendas de quitandeiras' marcavam juntas 322 registros na cidade. Esse dado –que não considera ainda as que comerciavam na informalidade - mostra o quanto a presença das quitandeiras era massiva na cidade. A segunda atividade mercantil, as 'tavernas', contava com 196 registros seguida dos 'mercadores de fazendas: panos, sedas etc.' que eram 140, menos da metade do número de quitandeiras", escreveu o antropólogo Fernando Vieira de Freitas em seu artigo "As negras quitandeiras no Rio de Janeiro do século XIX pré-republicano: modernização urbana e conflito em torno do pequeno comércio de rua" na revista Tempos Históricos (Vol. 20, 2016).
Por necessidade, por sua luta e resistência, e por terem encontrado um nicho de comércio em que eram imprescindíveis, as quitandeiras sobreviveram até os dias de hoje, seja nas baianas de acarajé ou nas ambulantes que vendem bolos e quentinhas pelas ruas do Brasil.