Os festejos no período do carnaval tomaram as ruas do Brasil no início do século XVII e foram reprimidos desde então. Antes dos desfiles de Carnaval, que só passaram a existir a partir do final do século XIX, o período era conhecido como entrudo e marcado pela brincadeira de jogar água, farinha, polvilho, tinta, perfumes e outras águas menos cheirosas nas pessoas.
Entrudo, palavra de origem latina, introitus, significa entrada, início, e foi usada para denominar os três dias antes da Quaresma, que começa na quarta-feira de Cinzas. Bastante popular em Portugal, o entrudo se diferenciava dos outros festejos de carnaval na Europa pelo seu caráter explosivo e desordenado.
No Brasil, o festejo foi aos poucos conquistando todas as regiões e classes sociais. Nas ruas, os mais pobres e escravizados travavam batalhas de água e farinha. Nas casas, as moças preparavam os limões de cheiro, como ficaram conhecidas as bolas de cera cheias de água perfumada, que atiravam da janela ou mesmo dentro de casa em seus pretendentes.
O artista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) registrou em seu livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016) a peculiaridade dessa festa: "O carnaval no Rio e em todas as províncias do Brasil não lembra em geral nem os bailes nem os cordões barulhentos de mascarados que, na Europa, comparecem a pé ou de carro nas ruas mais frequentadas, nem as corridas de cavalos chucros tão comuns na Itália".
Na gravura acima, Debret retratou a brincadeira na rua entre os negros, libertos ou escravizados, que usam bisnagas de água, polvilho para passar no rosto e limões de cheiro para se divertir. No fundo da imagem, um senhor bem-vestido, protegido por um guarda-chuva, se distancia da confusão. Segundo Debret, a batalha de limões era "motivo de isolamento para as pessoas tranquilas, que se fecham em casa e não ousam sair à janela".
Assim como hoje, as brincadeiras de carnaval reuniam grupos de pessoas animadas e desagradavam outras tantas. Foram muitas as tentativas de proibir o entrudo e vários jornais e políticos fizeram campanhas para acabar com a festa. "O entrudo é um jogo bárbaro, pernicioso e imoral. A autoridade, que tem o dever de zelar sobre a moral e a tranquilidade pública, assim pensa, e há anos a esta parte que se afadiga em publicar ordens nos jornais para que ele cesse, ameaçando os infratores com multas e prisões; mas não é fácil extinguir com ordens de jornais e algumas patrulhas usos arraigados entre o povo por espaço de anos", escreveu o dramaturgo Luís Carlos Martins Pena (1815-1848), no Jornal do Comércio, em 1847, quando fazia campanha pela continuidade dos bailes mascarados à moda europeia, que começavam a acontecer por aqui, restrito às classes mais ricas.
A historiadora Patrícia Vargas Lopes Araújo explica em seu artigo Outros tempos, outros carnavais: brincadeiras de entrudo e de carnaval no Brasil (século XIX) (Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol.13, 2020) as mudanças que ocorreram na festividade carnaval: "a partir de 1830, ocorre progressiva tentativa de controle do entrudo e das suas práticas, consideradas um festejo tradicional, mas grosseiro. Numa segunda fase, de inspiração europeia, entre meados do século XIX e início do século XX, emergiram de forma mais predominante os desfiles dos préstitos, os bailes à fantasia, a introdução dos confetes e serpentinas e os corsos. No final dessa fase vemos surgir também os zé-pereiras, os cucumbis, os cordões e os ranchos. Esse momento é marcado, ainda, pela presença do entrudo, que não desapareceu completamente e por sua condenação, considerado como um festejo grosseiro e incivilizado". Os cucumbis eram grupos de foliões negros que se apresentavam com instrumentos e indumentárias africanas. Foi só no início do século XX, que começaram a surgir as escolas de samba que se tornaram a marca do carnaval brasileiro.
Já em 1874, no conto Um dia de entrudo, publicado no Jornal da Família, o escritor Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) revela certa nostalgia pela brincadeira que começava a desaparecer. Assim ele começa o conto: "Era no tempo em que ao carnaval se chamava entrudo, o tempo em que em vez das máscaras brilhavam os limões de cheiro, as caçarolas d’água, os banhos, e várias graças que foram substituídas por outras, não sei se melhores se piores. Dois dias antes de chegar o entrudo já a família de D. Angélica Sanches estava entregue aos profundos trabalhos de fabricar limões de cheiro. Era de ver como as moças, as mucamas, os rapazes e os moleques, sentados à volta de uma grande mesa compunham as laranjas e limões que deviam no domingo próximo molhar o paciente transeunte ou confiado amigo da casa".