A pesca, junto com a caça, é uma das mais antigas atividades do homem e ocorre há mais de 50 mil anos. No Brasil, foi uma atividade comum a todos os grupos de habitantes que formaram o país no período da colonização. Os povos originários já tinham suas diversas técnicas de pesca como o uso de redes, cestos, ervas para entorpecer os peixes e facilitar sua captura, tapagens, as barreiras montadas com varas nos rios, e a pesca com arco e flecha e arpões.

[Pescaria com arco e flecha]

"Quando em algum lugar um peixe vem à superfície, atiram nele, e somente poucas flechas não atingem o alvo. Assim que um peixe é atingido, atiram-se à água e nadam atrás dele. Certos grandes peixes vão para o fundo quando sentem uma flecha dentro de si. Os selvagens mergulham, então, até cerca de seis braças de profundidade e trazem-nos para a superfície. Além disso, eles têm pequenas redes. O fio com o qual tecem estas redes, retiram-no de longas folhas pontiagudas que chamam de tucum. Quando querem pescar com estas redes, juntam-se e formam um círculo na água rasa, de modo que todos tenham uma área para si. Alguns deles vão, então, para dentro do círculo e batem na água. Se um peixe quiser então fugir para o fundo, ele cai na rede. Quem pegar muitos peixes dá aos que ficaram com menos." Assim o aventureiro alemão Hans Staden (c.1525-1576) descreveu a atividade registrada na gravura acima, em seu livro, publicado originalmente em 1557, Duas viagens ao Brasil : primeiros registros sobre o Brasil (Porto Alegre, Editora L&PM, 2011). As canoas feitas de um único tronco escavado, como a desenhada (abaixo) pelo português Joaquim José Codina (século XVIII-1790) em 1784, e também as jangadas eram embarcações criadas e utilizadas por indígenas brasileiros.

Construção das canoas ao modo dos índios

Os portugueses contribuíram com alguns apetrechos como o anzol de ferro e redes mais elaboradas como o espinhel e o tresmalho. Os africanos também trouxeram técnicas das suas diferentes regiões de origem. Como a pesca não teve tanta importância econômica quanto a extração de madeira e ouro, o plantio de cana, algodão e outros bens que eram apropriados por Portugal ou vendidos para outros países, essa atividade conseguiu permanecer quase inalterada durante vários séculos. Era uma atividade fundamental para a sobrevivência das diversas populações, mas não gerava riqueza, com exceção apenas para a pesca de baleias, que se tornou uma indústria importante no final do século XVII, sobretudo por causa do óleo que alimentava a iluminação, e se estendia do litoral da Bahia ao de Santa Catarina.

Bahia

Se no primeiro século de colonização, a pesca foi praticada sobretudo pelos indígenas e os brancos pobres, ao longo do século XVII, muitos africanos passaram a exercer essa atividade, mesmo que fosse a mando de seus senhores. Na pintura acima, do francês Jules Marie Vincent de Sinety (1812-1898), vemos negros na Bahia pescando na costa. "Os aspectos que acabaram colaborando para a entrada e/ou a permanência de inúmeros homens na pesca foram a farta disponibilidade de acesso às matérias-primas necessárias à feitura de barcos, especialmente jangadas, graças ao número expressivo de matas existentes, e à facilidade de construção desse equipamento de trabalho. Portanto, a jangada não cobrava maiores dificuldades em sua edificação, porque, além de seus materiais serem facilmente disponíveis para sua elaboração, as técnicas de fabrico eram largamente dominadas pelos índios da região litorânea, sendo absorvidas facilmente pelos que aqui chegaram (portugueses e africanos). A estrutura da jangada realizada sob tal referencial técnico-tecnológico perdurou por quase dois séculos, após o início da colonização imposta pelos lusitanos", escreveu o pesquisador Cristiano Wellington N. Ramalhos em seu artigo A formação histórica da pesca artesanal: origens de uma cultura do trabalho apoiada no sentimento de arte e de liberdade (Cadernos de Estudos Sociais, Recife, V. 24, N. 2, jul-dez 2008).

Jangada of Pernambuco

"O crescimento da demanda alimentar e comercial levou pescadores a incorporar em suas jangadas vários elementos da tradição portuguesa de pescar, como a vela latina, o banco do mestre, o leme, a poita (ou fateixa), o anzol de ferro, que veio substituir o de espinha. Ademais, as madeiras deixam de ser rolos e ocorreu aumento de tamanho da embarcação", escreveu o pesquisador no artigo citado. Na ilustração acima, um desenho do inglês Charles Landseer (1799-1879), de 1825, vemos uma jangada já com a influência portuguesa (vela, banco etc.), conduzida por dois negros e um branco.

Para os negros, escravizados, de ganho ou libertos, a atividade de pesca, sobretudo a de jangada em alto mar, representava a liberdade de uma atividade longe dos brancos. Muitos desses homens tiveram importante participação na campanha abolicionista e ajudaram escravizados a fugir. Foi o caso das greves de jangadeiros, em 1881, liderados pelos pescadores José Luís Napoleão e Francisco José do Nascimento (1839-1914), este conhecido como Dragão do Mar, que se recusaram a transportar para os navios pessoas escravizadas que seriam vendidas no Rio de Janeiro. Essas greves, repetidas, ajudaram a transformar, em 1884, a província do Ceará na primeira do Brasil a abolir a escravidão.