O alemão Hermann Burmeister (1807-1892) foi um naturalista dedicado e incansável. Estudou filosofia, medicina, entomologia (insetos), ornitologia (aves), paleontologia (fósseis), geologia e meteorologia. No final de 1850, ele veio ao Brasil animado para conhecer Lagoa Santa, em Minas Gerais, onde o naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) havia se fixado depois de descobrir e estudar diversos fósseis encontrados em cavernas da região.
Burmeister chegou ao Rio de Janeiro acompanhado de seu filho de 15 anos, Christian. O cientista estava com uma moléstia que consistia principalmente "numa grande sensibilidade da epiderme e numa irritação muito forte no sistema nervoso", como afirmou em seu livro Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais (Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980), publicado na Alemanha em 1853, junto com um álbum ilustrado com gravuras feitas a partir de desenhos seus. As gravuras que ilustram este texto são dessa primeira edição.
Durante o mês que passou na capital brasileira, cansado e incomodado com o calor, Burmeister delegou ao filho, muitas vezes, a tarefa de recolher novas espécimes nos arredores, fossem plantas ou insetos, para ele estudar e catalogar. Seu relato de viagem é rico em detalhes não somente sobre plantas, animais e o solo, mas também sobre a população, a arquitetura, os alimentos e hábitos dos brasileiros.
Burmeister e o filho seguiram montados em mulas para Nova Friburgo, colônia suíça estabelecida na serra dos Órgãos, onde chegaram no dia de Natal. Ali, o cientista pretendia continuar estudando a natureza e "fortificar o organismo por meio de banhos frios, a fim de poder empreender viagem mais extensa pelo interior do país". No caminho para Nova Friburgo, registrou: "Nas vendas que ficam à beira das estradas mais frequentadas, encontram-se também vinho de Lisboa, branco e tinto, diversos licores, especialmente Genebra, cerveja vinda da Inglaterra (best India pale ale) e, o que mais me surpreendeu, latas de sardinha ao azeite, 'pickles' ingleses e champanha. Tais especialidades aparecem, porém, só nas vendas das estradas mais importantes, perto de regiões ricas".
Da cidade serrana seguiram, em abril de 1851, para Minas Gerais por um caminho alternativo, bem mais rústico e acidentado, até Ouro Preto. Ali, o alemão desenhou a Igreja de São Francisco, construída em 1776, que ele considerou a mais bonita da cidade: “desenhei-a como sendo o modelo do mais elegante estilo brasileiro e deixo de descrever seus detalhes porque o desenho fala por si”. Na mesma prancha (acima), uma rua de Ouro Preto com brancos bem vestidos conversando e negros carregando sacas.
Ainda montado em uma mula e acompanhado do filho e de tropeiros, o naturalista seguiu viagem até Lagoa Santa para finalmente se encontrar com Lund. "Pois nada me atraía mais, sob o ponto de vista científico, do que o estudo exato dos grandes mamíferos tropicais de eras passadas", escreveu. "No momento em que íamos entrar na localidade, uma nova chuvarada nos molhou até os ossos. E foi assim ensopados que, às 3 horas, paramos na porta da residência do dr. Lund, que nos recebeu com aquela manifesta alegria que todo cientista sente ao encontrar no Brasil um colega seu da Europa", registrou o alemão.
Depois de conhecer algumas grutas dos fósseis e os arredores de Lagoa Santa, sempre na companhia de Lund, durante três semanas, Burmeister decidiu se aventurar sozinho com o filho até a beira do rio das Velhas. Era o início de junho e uma queda do cavalo fez o naturalista passar seis semanas deitado, com uma fratura no fêmur, na casa de Lund. Quando se sentiu mais forte, seguiu numa liteira para Congonhas de Sabará, onde permaneceu de agosto a novembro, devido a uma nova queda, desta vez de uma mula. Somente quando se viu em condições de montar novamente, partiu para o Rio de Janeiro, sempre acompanhado do filho.
Como ainda não estava totalmente recuperado das quedas, o naturalista decidiu apressar sua volta para a Europa. Não bastassem os acidentes em terra, Burmeister precisou enfrentar também contratempos no mar. A fragata em que embarcou, em janeiro de 1852, quase bateu nos recifes da ilha das Cobras e em seguida se chocou com uma embarcação americana. "Perturbado assim por dois acidentes seguidos, não pude mais contemplar a cidade que aos poucos foi ficando para trás. (...) Nem a maravilhosa vista do Rio de Janeiro me pode desviar de conjeturas tão pessimistas e tudo assumiu aos meus olhos aspecto bem diferente do da chegada, quando, ao ver castelos, conventos, residências e jardins floridos, minha fantasia exaltada apresentou-mos tal como eu desejaria que fossem. Na volta, porém, conhecedor já do interior daquilo tudo, sabedor do que se passava atrás de tais muros, achei tudo enfadonho e indigno do lugar que ocupava", escreveu.
Ainda assim, Burmeister voltou para a América do Sul em 1856, desta vez para estudar história natural no Uruguai e na Argentina, onde se tornou diretor do Museu de História Natural de Buenos Aires, instituição em que trabalhou por trinta anos até a sua morte.