A pintura do inglês Samuel Walters (1811-1882) mostra o resgate de passageiros do barco norte-americano Ocean Monarch, em 24 de agosto de 1848, um acontecimento marcante para os ingleses e para os brasileiros que naquele dia estavam a bordo da fragata Dom Afonso, perto do porto de Liverpool. O artista, famoso por suas pinturas de marinas e batalhas navais, vivia na cidade inglesa desde 1827.
A fragata, recém construída nos estaleiros locais por encomenda da Marinha de guerra brasileira, era uma embarcação de grande porte com rodas laterais e canhões, movida a vapor e vela. No dia 24 de agosto, aconteceu seu teste oficial e por isso levava a bordo convidados especiais como a princesa D. Francisca (1824-1898), irmã de D. Pedro II (1825-1891), seu marido, Francisco, Príncipe de Joinville (1818-1900), o irmão dele, Henrique, Duque de Aumale (1822-1897), ambos filhos do rei Luís Filipe I (1773-1850) da França, e o chefe-de-esquadra da Marinha brasileira John Pascoe Grenfell (1800-1869). No comando da embarcação, estava Joaquim Marques Lisboa (1807-1897), futuro Marquês de Tamandaré e patrono da Marinha do Brasil, que havia sido enviado a Liverpool com a missão de inspecionar e trazer a nova fragata para o Brasil.
O barco americano, movido a vapor e que carregava 396 pessoas, a maioria imigrantes ingleses a caminho de Boston, nos Estados Unidos, pegou fogo pouco depois de deixar o porto de Liverpool. Não conseguiram controlar o incêndio e logo os primeiros passageiros já se atiravam ao mar, entre eles o capitão do barco que quase foi atingido por um mastro em chamas que tombou. Apenas dois botes salva-vidas conseguiram levar algumas pessoas amontoadas para longe do fogo.
No Dom Afonso, um marinheiro brasileiro avistou o navio em chamas e soou o alarme por volta das onze horas da manhã. O vapor brasileiro enviou logo seus botes salva-vidas e, com a ajuda de outras duas embarcações, o paquete New World e o navio ferroviário Prince of Wales, conseguiram resgatar 156 pessoas que ainda estavam a bordo e mais 60 que haviam pulado no mar. Apesar dos esforços, 180 pessoas morreram.
O Ocean Monarch era um navio grande, bem equipado e moderno para a época e o desastre teve grande repercussão na imprensa inglesa. Os habitantes de Liverpool, consternados, arrecadaram fundos para distribuir para os sobreviventes que tiveram todos os seus bens queimados. Os marinheiros brasileiros, que haviam recebido cem libras do Imperador Pedro II como recompensa pela bravura, para dividir entre eles, decidiram repassar o dinheiro para os sobreviventes. Como agradecimento, o governo britânico deu ao comandante Lisboa um cronômetro de ouro com a inscrição: "In commemoration of his gallant exertion on this melancholy occasion" (em comemoração a seu esforço heroico nesta ocasião melancólica).
Na viagem inaugural do navio Dom Afonso para o Brasil, em sua primeira parada no porto de Recife, o comandante teve que enfrentar a revolta Praieira, manifestação popular contra a monarquia. No ano seguinte, o Dom Afonso enfrentou uma tempestade violenta na costa do Rio de Janeiro para resgatar com sucesso o navio português Vasco da Gama e seus tripulantes.
Depois desses resgates heroicos, a embarcação participou da repressão a revolucionários republicanos e a traficantes clandestinos de escravizados. Por fim, em 1853, naufragou sozinha durante um temporal perto de Cabo Frio.